Biodiesel de cana-de-açúcar
Interessada no crescimento do mercado de biocombustíveis e na indústria sucroenergética brasileira, a empresa de biotecnologia norte-americana LS9 está chegando ao Brasil aberta a oportunidades de negócios com sua tecnologia de produção de diesel a partir da cana-de-açúcar.
A companhia, sediada na Califórnia, anunciou em julho a criação da LS9 Brasil Biotecnologia, com um escritório em São Paulo, mas ainda planeja a construção de um laboratório de pesquisas e quer iniciar até 2014 a comercialização de seus produtos.
A estratégia consiste em encontrar parceiros para viabilizar a fabricação do biodiesel e de produtos bioquímicos a partir da abundante oferta de matéria-prima no País.
Fundada em 2005, a empresa vai inaugurar em agosto uma planta de demonstração na cidade de Okeechobee, na Flórida, que poderá ser expandida para escala industrial e estuda ainda a construção de uma planta no Brasil.
O plano de desenvolvimento da tecnologia da LS9 é baseado no potencial de seu portfólio no mercado de combustíveis e produtos químicos que substituam os derivados de petróleo e que sejam renováveis.
Testes do biodiesel
No mês passado, a empresa anunciou também uma parceria no Brasil com a fabricante de caminhões e ônibus MAN Latin America para testar o diesel em motores, tanto em bancada como em campo de provas.
O objetivo é analisar desempenho, emissões, consumo e durabilidade dos motores nos veículos da Volkswagen [a linha de caminhões Volkswagen foi adquirida pela MAN] movidos com o biocombustível. O produto da LS9 é um combustível avançado do tipo drop-in, ou seja, pode ser utilizado sem a necessidade de adaptações nos motores e não requer infraestrutura própria.
Sob o nome comercial de Ultra Clean, o biodiesel da LS9 é produzido pela fermentação de açúcares a partir da ação de uma cepa da bactéria Escherichia coli geneticamente modificada para gerar, principalmente, alcoóis graxos, ácidos graxos e ésteres.
“A tecnologia da LS9 é muito flexível em relação à matéria-prima, que são açúcares; não é necessariamente o caldo de cana, podem ser outras fontes de açúcar, inclusive estamos testando outras matérias-primas. Além disso, há a vantagem da flexibilidade de produção; enquanto a maioria das empresas de biotecnologia faz um produto, com a nossa tecnologia é possível fazer vários produtos“, explicou Lucila de Avila, diretora geral da LS9 Brasil Biotecnologia, em entrevista a Inovação Unicamp.
A executiva, que está desde março na companhia norte-americana, considera que a tecnologia está “quase pronta para ser comercializada“.
Empresa de pesquisadores
Com cerca de 100 funcionários, 60% deles pesquisadores, a empresa sediada em South San Francisco, na Califórnia, foi fundada por dois cientistas: Chris Somerville, professor de Botânica da Universidade de Stanford, e George Church, professor de Genética da Universidade de Harvard, com o financiamento dos fundos de capital de risco Flagship Ventures e Khosla Ventures. Atualmente, a Lightspeed Venture Partners também faz parte da companhia.
A empresa emprega pesquisadores nas áreas de biologia sintética, engenharia metabólica, microbiologia, enzimologia, bioinformática e engenharia química, entre outras. Atraída pela competitividade da cana brasileira para a produção de seu biocombustível, a start-up já deu início a parcerias com outros grupos interessados nos seus produtos renováveis.
Desde 2009, a LS9 tem uma parceria com a norte-americana Procter & Gamble para o desenvolvimento de químicos renováveis a partir da sua tecnologia patenteada. Em fevereiro deste ano, o acordo – cujos termos são mantidos em sigilo – foi ampliado para uma segunda etapa.
Substitutos renováveis
A diretora geral da LS9 explica que a P&G emprega muitos derivados petroquímicos e óleo de palma em seu portfólio, mas que as pressões do mercado pela sustentabilidade têm levado a multinacional a buscar substitutos renováveis.
Segundo ela, outro ponto importante é que a cadeia de produção do óleo de palma – baseada em países do sudeste da Ásia, como Malásia e Indonésia – tem provocado diversos impactos ambientais.
A LS9 conta também com uma parceria estratégica com a empresa de energia norte-americana Chevron para o desenvolvimento de hidrocarbonetos específicos. Além desses acordos, a LS9 está avaliando outros negócios para explorar sua tecnologia.
“Estamos em uma fase de estudar os mercados para avaliar oportunidades, mas a nossa tecnologia é essa: você ‘diz’ para a bactéria o que ela precisa produzir e muda o metabolismo dela por meio de enzimas.” Segundo Lucila, com essa tecnologia é possível fazer substâncias com cadeias carbônicas que vão do C8 ao C18.
Escalonamento da produção
Inicialmente, a firma de biotecnologia contava apenas com a planta-piloto em South San Francisco para testar seu produto, com cana-de-açúcar plantada na Flórida, e terceirizava, por meio de contratos de industrialização, o escalonamento em outras fermentadoras.
Agora, a direção da LS9 está desenvolvendo o projeto e estudando a localização de um laboratório no Brasil para testar a matéria-prima local e fazer a demonstração da tecnologia. Lucila prevê que a decisão sobre a cidade que abrigará o laboratório possa ser tomada ainda neste ano, para que o investimento, de valor não divulgado, comece a ser feito.
Entre os municípios que estão sendo avaliados estão Campinas, Piracicaba, Paulínia e a capital paulista. Estão sendo estudadas também parcerias com universidades brasileiras, mas ainda não foram iniciados os contatos.
O Brasil está no foco principal da empresa e já estão sendo feitas negociações com produtores nacionais para alcançar a escala comercial, tanto na área de biodiesel quando no setor de produtos bioquímicos. Esses acordos poderão ser para o fornecimento de matéria-prima, para contratos de fornecimento de tecnologia ou até mesmo joint ventures.
“Não significa que a LS9 vai trabalhar somente com o Brasil, não existe nenhuma exclusividade, mas para nossa tecnologia é o país das maiores possibilidades“, afirmou Lucila, ressaltando o interesse da firma também pela Ásia.
Planta piloto
A planta piloto, na Califórnia, tem capacidade de produção de mil litros e, a partir de agosto, a planta de demonstração, na Flórida, poderá produzir de 4.000 a 5.000 litros – capacidade essa que poderá ser ampliada para 140 mil litros até o final de 2011.
Essa unidade de Okeechobee ainda permitirá a instalação de outros tanques de fermentação para chegar aos 800 mil litros, caso a empresa decida ter uma planta industrial na América do Norte.
“O nosso biodiesel necessita apenas que se coloque o açúcar e a bactéria, para que ela produza o diesel. Depois esse diesel pode ser separado fisicamente com apenas uma centrifugação simples. Não é necessário, como no caso de outras empresas de biotecnologia, enviar o produto para ser submetido a algum tipo de processamento externo, como uma etapa de hidrogenação. O nosso é muito simples e fácil de ser produzido“, conclui a diretora geral.
Versatilidade do micro-organismo
A mesma bactéria que produz o diesel também faz produtos químicos, mas o que muda na tecnologia é o metabolismo do micro-organismo, alterado por meio da engenharia genética. “Estamos estudando agora quais são os mercados que nos interessam. São vários: surfactantes, lubrificantes, cosméticos, detergentes e outros produtos de limpeza, tintas e entre outros. As possibilidades são inúmeras.”
“Temos que aprofundar muito essa pesquisa e esse desenvolvimento. Nós estávamos nos concentrando em diesel e em alguns produtos químicos que estão sendo desenvolvidos com alguns parceiros específicos. Como essas pesquisas já estão adiantadas e nós já estamos chegando próximo ao rendimento ótimo para comercialização, então, começaremos a entrar nessas outras pesquisas.”
Sem querer revelar o custo do diesel da LS9, Lucila ressaltou que “certamente” ele é mais competitivo que o biodiesel vegetal convencional, por causa da valorização da soja. Outra vantagem, destaca, são suas propriedades físicas: menor viscosidade a baixas temperaturas e maior durabilidade ou resistência à oxidação.
Em relação ao diesel de petróleo, a executiva afirma que, nos níveis atuais de preço do barril de óleo, tem “quase certeza” sobre a competitividade do seu produto. Além disso, ele teria menor teor de enxofre e mais qualidade de combustão que o derivado fóssil, segundo dados divulgados pela empresa.
Leque amplo para usinas de cana
Em meio às atuais incertezas de investimentos e volume de produção do setor sucroalcooleiro, a LS9 considera que parcerias com usineiros para a produção do diesel de cana possibilitariam uma interessante diversificação no portfólio que ajudaria a superar os problemas de rentabilidade do etanol.
“Os produtores de cana-de-açúcar hoje têm um horizonte de preço que é limitado ao preço da gasolina, que por sua vez é administrado pela Petrobrás. Nosso produto vai adicionar valor ao usineiro porque vai permitir ter um produto diferenciado, que tem outro ciclo e outra lucratividade e isso vai ser muito interessante“, justifica Lucila.
Apesar de considerar a companhia como bem estruturada financeiramente para os “próximos anos“, a diretora geral afirma que existe a possibilidade de entrada de novos investidores de venture capital na LS9 nessa fase de expansão para a produção comercial, sendo que está sendo estudada até mesmo a realização de uma oferta pública inicial de ações.
Fonte: Guilherme Gorgulho – Inova Unicamp – 31/07/2011 http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=diesel-de-cana-de-acucar&id=010175110731