Faltou diálogo na decisão de fusão entre os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação com o das Comunicações. Este é o diagnóstico da comunidade científica que, pela primeira vez, se reuniu em peso com o titular da nova pasta, Gilberto Kassab. O encontro ocorreu na última quarta-feira, 08/06, em São Paulo (SP).
Nas defesas que o ministro tem feito em relação à criação do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), ele afirma que união das pastas foi em prol da eficiência do setor público e da vontade popular pela redução da máquina pública. Kassab também enfatiza que a chegada das comunicações dá peso político à ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e que as agendas não vão colidir.
A comunidade científica, no entanto, pensa diferente. Em diversos momentos durante o encontro, Kassab ouviu manifestações à criação do MCTIC. Além das várias interpelações do público presente, foram lidas 15 representações de entidades que criticavam o processo. Em suma, entende-se que as missões das pastas são diferentes, ainda que os tópicos de CT&I sejam transversais.
O objetivo da comunidade científica é tentar fazer o governo Temer mudar de ideia, assim como ocorreu com a fusão dos ministérios da Educação e Cultura. Na avaliação de Gilberto Kassab, dificilmente haverá tomada de decisão semelhante. O ministro Kassab explica que a sinergia entre Comunicações e a CT&I é muito grande, diferentemente do MEC e MinC. “O mundo das comunicações depende da tecnologia. O antigo MCTI ganha com o peso político das comunicações e suas demandas. O tempo vai mostrar que essa fusão foi muito positiva para todos”, afirmou.
Um dos depoimentos mais enfáticos contra a união das pastas foi o do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ildeu de Castro Moreira. O acadêmico, que já passou pelo MCTI, e ajudou a criar a Semana Nacional de C&T, disse não compreender as razões que levaram o presidente da República interino, Michel Temer, a tomar esta decisão. “A população brasileira não foi ouvida. No ano passado, uma pesquisa publicada pelo MCTI, mostra que os recursos para CT&I têm que aumentar. Por isso não tenho certeza se a população brasileira está de acordo com a fusão destes ministérios”, disse Ildeu ao atacar a afirmação de que a reforma ministerial atende os anseios da sociedade.
Ildeu também discorda sobre um possível empoderamento do ministério. O professor lembra que a pasta articulava diretamente com o ministério da Fazenda, na presença do presidente da República. “Fui do MCTI por vários anos e sei o que significa a diferença de diálogo com o governo central. Avalio que a fusão seja uma fragilização política da ciência e tecnologia”, lamentou.
O acadêmico, que também é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), argumenta que o fato de a CT&I terem sinergia com as comunicações não seria uma razão para unir os ministérios. “O MCTI é transversal. Esse argumento de que ele tem uma interface com a comunicação é óbvio. Isso não significa que eles tenham práticas, objetivos iguais que justifiquem uma fusão”, disse.
Mobilização
A união dos cientistas contra a fusão dos ministérios avançou para além da área física do evento. Além de chegarem manifestos por meio eletrônico, houve também declarações de ícones do setor. É o caso de Artur Ávila, primeiro brasileiro a ganhar a medalha Fields, que é considerado o Prêmio Nobel da Matemática. O pesquisador gravou um vídeo em que criticou a fusão dos ministérios.
Ávila afirmou que o fortalecimento da pesquisa no Brasil depende da continuidade e ampliação das ações do MCTI. Ele lembrou ainda que, nos últimos anos, o Brasil tem investido em uma política de Estado por meio de um “ministério criado para esse fim”.
“Fundir este ministério com outro, que tem atribuições muito distintas, quebra essa continuidade, e mais ainda, significa a não percepção de que a ciência e tecnologia são fundamentais para o desenvolvimento do País. Não se trata apenas de investimento de recursos, mas de um planejamento estratégico que pode ajudar o País a sair da crise e a inventar alternativas para o desenvolvimento do Brasil”, disse o matemático ao pedir apoio à mobilização pela volta do MCTI.
As manifestações em torno da reversão da decisão de unir a pasta de CT&I com a de Comunicações vão continuar. Segundo a presidente da SBPC, Helena Nader, a classe continuará protestando, o que não significa parar de dialogar com o novo ministério. “Posso não gostar, mas eu tenho que dialogar. O mais importante é fazer a ciência no Brasil andar. Vamos continuar nos posicionando pela luta para que a CT&I seja uma política de Estado e não uma posição de governo”.
A comunidade científica e tecnológica aos poucos aumenta a pressão pela volta do MCTI. Na última terça-feira, 07/06, servidores do antigo ministério promoveram um abraço coletivo no prédio da pasta em Brasília. Funcionários e alunos do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) também se manifestaram contra a criação do MCTIC. A regional da SBPC também criou um movimento para estimular que os pesquisadores troquem as fotos do perfil nas redes sociais e no currículo Lattes por uma imagem com a #ficaMCTI ou #voltaMCTI.
Morde e Assopra
Mesmo avaliando que seja positiva a criação do MCTIC, Kassab reconhece que é necessário ampliar o diálogo entre governo e a comunidade científica. Ele garante que os pesquisadores serão ouvidos no processo de restruturação da pasta, que já tem todos os secretários nomeado, mas ainda está definindo quem cuida de quê.
Uma boa notícia para o setor foi a garantia da manutenção da Secretaria de Política de Informática (Sepin). No fim de maio, a Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação (ABIPTI) e a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) elaboraram um manifesto contra uma possível extinção da secretaria.
A Sepin, contudo, terá uma atuação híbrida já que acumulará também funções do antigo Ministério das Comunicações. Ela será comandada por Maximiliano Martinhão, que até recentemente era responsável pelas Telecomunicações no MC.
(Leandro Duarte, da Agência Gestão CT&I)
Fonte: ANPEI