O setor de combustíveis e de gás natural tem sido alvo do governo pela sua capacidade de investimento e geração de empregos. No Brasil, sucessivos anos de intervenção, baixo investimento e monopólio da Petrobras criaram gargalos e retardaram o desenvolvimento do setor. Na tentativa de recuperar o tempo perdido, o governo está mexendo em todas as peças do tabuleiro de uma só vez, confundindo os participantes do jogo.
Entre maio e junho, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) publicou as resoluções, nº 9 e nº 12, com diretrizes para promoção da livre concorrência nas atividades de refino e de abastecimento de combustíveis. Ao mesmo tempo, a Petrobras e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) assinaram um Termo de Compromisso de Cessão de Prática (TCC), no qual a estatal se compromete a vender oito unidades de refino até 2021, que somam 50% da capacidade instalada no Brasil.
No setor de gás natural, o TCC celebrado em 8 de julho entre Cade e Petrobras resolveu boa parte das questões abordadas pela Resolução nº 6 do CNPE, publicada 15 dias antes. Nos últimos meses, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) também promoveu diversas consultas e audiências públicas sobre diferentes temas dos mercados de combustíveis e de gás natural.
Esse “ativismo regulatório” gera um custo de adaptação e contribui para a instabilidade do mercado, que não consegue absorver a enxurrada de medidas simultâneas e sobrepostas com impacto em segmentos distintos. E o problema é que, nesse caso, a ordem dos fatores altera o produto.
No mercado de combustíveis, existe uma hierarquia natural e lógica que deve ser respeitada. Enquanto os segmentos de distribuição e revenda já são concorrenciais, o refino é monopólio da Petrobras, que possui 98% da capacidade instalada e supre quase integralmente a demanda das distribuidoras. Portanto, o correto seria aguardar a adaptação do mercado à nova configuração do segmento de refino para depois promover alterações na distribuição e na revenda.
Em relação ao gás natural, muito se fala sobre o aumento de competitividade com redução de preço no curto prazo a partir do crescimento da produção, que deve dobrar nos próximos 10 anos. Apesar de alguns campos entrarem em operação a partir do segundo semestre de 2020, o maior crescimento deve ocorrer só em cerca de oito anos.
Para absorver essa oferta adicional será necessário ampliar a infraestrutura de escoamento, tratamento, transporte e distribuição, o que exige tempo e grandes investimentos. Caso o estímulo à produção não seja precedido por um planejamento para atrair investimentos em infraestrutura, o efeito será o inverso do desejado, reduzindo ainda mais a competitividade do gás natural. Novamente, inverter a ordem dos fatores pode mudar drasticamente o resultado.
Os investimentos para construir três novos gasodutos de transporte (Rota 4, 5 e 6) e dobrar a capacidade de escoamento podem chegar a cerca de R$ 9 bilhões. Já a construção de três novas Unidades de Processamento de Gás Natural, com capacidade de tratar 20 milhões de m³ diários cada uma, custaria mais US$ 3 bilhões. Sem falar na expansão da malha de transporte e distribuição, atualmente concentrada no litoral, principalmente do Sudeste. Além de preparar o mercado para o choque de oferta, o desenvolvimento da infraestrutura cria um círculo virtuoso de geração de emprego e renda.
Com uma regulação adequada, o setor de combustíveis também tem potencial para movimentar a economia e gerar empregos, atraindo R$ 100 bilhões de investimentos em 10 anos. Esse valor poderia economizar até R$ 130 bilhões com medidas como a construção de dutos para substituir o transporte de combustível por caminhões, além de permitir concorrência regional entre refinarias pela eliminação do frete, caso de Pernambuco e Bahia.
Com o histórico de monopólio da Petrobras, não se sabe ainda como o mercado se adaptará ao novo arcabouço regulatório. Portanto, o momento exige avaliação cuidadosa para garantir que a lógica dos setores será respeitada. O governo precisa atacar de frente o problema, priorizando o incentivo a investimentos em infraestrutura.
* Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE)