O Governo tem uma carta na manga para reforçar as defesas do mercado brasileiro contra a concorrência predatória dos importados. Caso a retração da economia mundial provoque um fluxo muito intenso de ingresso de mercadorias a preços baixos no País, o governo poderá começar a taxar os importados com um valor em dólares sobre cada unidade de mercadoria – e não um porcentual sobre o preço, como hoje.
A principal vantagem dessa mudança, chamada tributação específica ou ad rem, é que ela combate o subfaturamento. Duas remessas de uma mesma mercadoria que cheguem ao País, uma com preços compatíveis com o mercado e outra com preços exageradamente baixos para recolher menos impostos, pagarão a mesma tributação.
A adoção desse sistema chegou a ser discutida durante a elaboração do plano Brasil Maior, lançado no início deste mês. O Governo desistiu porque há dúvidas sobre a eficácia desse mecanismo no longo prazo. Além disso, o Brasil sempre utilizou a tributação em porcentual sobre preços, também chamada de ad valorem, e a defende nos foros internacionais.
A ideia do ad rem, porém, continua no cardápio de medidas que podem ser adotadas em caso de agravamento da crise. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem dito que o mercado interno, que se mantém dinâmico ao contrário do que ocorre nos EUA e Europa, deve ser usufruído pelas empresas brasileiras.
O fluxo de importados é crescente. “O Brasil importa US$ 214 em têxteis e confecções a cada segundo”, disse o superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Valente Pimentel. “A cada minuto, é um emprego que se perde”. A entidade do setor têxtil defende há muito tempo a tributação ad rem. “A grande vantagem é que ele inibe o subfaturamento”, explicou.
Nas conversas com o Governo, ele detectou que as principais resistências estão na área que cuida da política internacional. “Só que não estamos vivendo um momento normal, e sim um momento que exige decisões que possam defender o investimento e o emprego no Brasil”. A tributação ad rem é um instrumento admitido pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e previsto na legislação brasileira.
Fiscalização difícil
Sem contar com a tributação específica, a Receita tem dificuldades em combater o subfaturamento por falta de provas. O fiscal é obrigado a aceitar que a informação constante da nota fiscal é verdadeira e não pode, por exemplo, compará-la com uma lista de preços internacionais.
Uma medida anunciada na semana passada foi a criação de uma espécie de “cadastro do bom exportador”. As empresas estrangeiras do setor têxtil que quiserem poderão prestar uma série de informações à Receita e com isso evitar que suas remessas caiam no chamado “canal cinza”, de fiscalização rigorosa, que consome até 180 dias para liberar a mercadoria.
A medida será estendida a outros produtos. Hoje, todas as mercadorias que são alvo de direito antidumping do Brasil (calçados, têxteis, armações de óculos, escovas de cabelo, entre outros) caem no canal cinza.
Os fiscais também querem realizar missões ao exterior. Eles visitariam os fabricantes de produtos mais problemáticos. A busca de provas de subfaturamento deverá ser facilitada, também, com a nomeação de um adido da Receita na China.
Essas duas providências refletem uma mudança na forma de atuação dos fiscais contra o subfaturamento. Até o ano passado, a busca de provas do delito eram feitas no País, com o importador ou em escritórios de representação dos exportadores. Como, porém, as formas de burlar a fiscalização se tornaram mais sofisticadas, as evidências agora têm de ser trazidas do país exportador.
Fonte: O Estado de S. Paulo – 26/08/2011