O papel das políticas públicas é de suma importância para que mudanças efetivas na sociedade tornem-se possíveis, apresentando um papel impulsionador e viabilizador do cumprimento de agendas globais. Um exemplo interessante é o apresentado pelo Acordo de Paris em 2015, que objetivava a redução da emissão dos gases estufa e limitava o aumento da temperatura média global em 1,5ºC, no contexto do desenvolvimento sustentável, até 2030 (ONU, 2015). Como visto nos artigos anteriores, a ideia de uma economia circular teve seu início ainda na década de 90, como um tópico de Economia Ambiental (Pearce, 1990). No entanto, somente em 2013, com a primeira publicação da Fundação Ellen MacArthur, o conceito foi divulgado de forma mais ampla (ELLEN MACARTHUR, 2013). Este artigo pretende, então, abordar um pouco mais sobre a economia circular e a sua implementação no nível das políticas públicas.
Como Geissdoerfer et al. (2017) relata, a definição hoje mais difundida, até mesmo nos meios acadêmicos, continua sendo a desta Fundação, que entende a economia circular como aquela que é restaurativa ou regenerativa, tem foco em recursos naturais, incentiva a produção e ampliação do uso de energia renovável e o fim do uso de produtos químicos tóxicos.
Isso pode ser alcançado por meio de design duradouro de produtos, manutenção e reparo, reutilização, remanufatura, reforma e reciclagem” (GEISSDOERFER et al., 2017, p. 759). Essa definição dos autores identifica as estratégias dos “Rs” para o ciclo técnico e a captura de energia para o ciclo biológico da economia circular.
Nesse sentido, a Economia Circular trata de um modelo que exigirá algumas fortes mudanças, seja no nível das empresas por conta de redesenho das cadeias produtivas e dos modelos de negócio, da sociedade como um todo ou seja por parte dos governos, para viabilizar a operacionalização desse modelo no longo prazo.
McDowall et al. (2017) compara as iniciativas a nível de gestão pública na Europa e na China, as duas maiores regiões de aplicação do modelo circular. Apesar desse conceito ter origem na Europa, a China apresentou alguns avanços, ao considerar o modelo circular na pauta governamental em 2002 e implementá-lo com a Lei de Promoção da Economia Circular em 2009. Enquanto isso, o plano de ação europeu denominado “Closing the Loop—An Action Plan for the Circular Economy” só ocorreu em 2015.
Além disso, apesar de muitos objetivos em comum entre ambas as regiões, particularmente em torno dos recursos, o foco da elaboração de políticas pela China reflete uma preocupação maior com a produção industrial, água, poluição (como os indicadores de emissões de SO2, que não seriam considerados relevantes por muitos formuladores de políticas europeus) e coloca maior atenção à escala (através de um sistema multinível de experimentação sob hierarquia) e local (através da incorporação de ideias no planejamento do uso circular da terra). Assim, como relatado por Zhu et al. (2018), a política do país com foco neste modelo é enquadrada como parte de uma resposta mais ampla aos desafios ambientais criados pelo rápido crescimento e industrialização.
Já na União Europeia, a concepção da Economia Circular tem um escopo ambiental mais restrito, focando em resíduos e recursos, com pouca consideração pela poluição. O plano de ação lançado em 2015, “Closing the Loop—An Action Plan for the Circular Economy”, por exemplo, tem como foco o ecodesign, a gestão dos resíduos como mercado secundário, modelos de consumo colaborativo, inovação em produtos, entre outros. Alguns países já estão bem avançados, inclusive com publicação de planos e estratégias já em andamento, como mostra a Tabela 1:
Tabela 1. Planos de Economia Circular na Europa.
País | Nome do Plano |
Holanda | A Circular Economy in the Netherlands by 2050 |
Escócia | Making things last: a Circular Economy Strategy |
Luxemburgo | Luxembourg as a Knowledge capital and testing ground for the circular economy |
Dinamarca | Potential for Denmark as a circular economy |
Finlândia | Leading the Cycle: a circular economy roadmap 2016-2025 |
Fonte: PAEC (2017).
Na Europa, a situação é mais singular por ser uma comunidade de países, cujas ações de implementação devem ser transversais, não apenas ações top-down (partindo do Governo) ou bottom-up (partindo de utilizadores/consumidores, empresas, administrações regionais e locais e municipais). Neste contexto, foram consideradas 3 tipos de ações para implementação (PAEC, 2017):
Desse modo, as políticas europeias são enquadradas tanto em termos econômicos quanto ambientais, concentrando-se no potencial de eficiência de recursos para aumentar a competitividade. Essas diferenças nos focos de políticas públicas entre ambas as regiões demonstram que a transferência de lições de política de uma região para outra não é simples, havendo então a necessidade de cautela no desenho da equivalência direta entre os esforços em diferentes regiões e de maior entendimento mútuo para facilitar a colaboração (MCDOWALL et al., 2017).
Milios (2018) apresenta uma abordagem interessante ao considerar a atuação conjunta de mais de um tipo de política pública para viabilizar a economia circular. Isso porque a aplicação de somente uma política acaba restringindo a mudança ou o suporte necessário para uma parte interessada do setor ou da cadeia produtiva. Para o autor, a união de políticas como de reutilização, reparo e remanufatura com contratos públicos para melhorar os mercados de materiais secundários influenciam simultaneamente no ecodesign, no consumo e na gestão de resíduos, “forçando”, por exemplo, a aplicação da Responsabilidade Estendida do Produtor (REP)[1] para que sejam feitas mudanças no design do produto enquanto fortalece a coleta e a reciclagem de produtos. Isto é, entende-se que a aplicação conjunta dessas políticas acaba por atuar tanto no início quanto no final da cadeia em consonância com a abordagem sistêmica do conceito de economia circular.
Stahel (2013) argumenta que o conceito ainda não atingiu um estágio amplo de implementação, porque os formuladores de políticas e os atores econômicos não conhecem nem os princípios básicos da Economia Circular, nem seu impacto na economia. Além disso, deverá haver cooperação entre as partes interessadas para que as ações não sejam isoladas e acabem enfraquecidas na transição entre gestões políticas. Nota-se também a ausência de estudos de Métricas para se mensurar efetivamente o valor da Economia Circular para uma organização e para a sociedade.
Assim, entende-se que a economia circular é um modelo de produção e consumo que pretende mostrar a possibilidade de crescimento econômico com desenvolvimento sustentável e para isso propõe estratégias e planos em diversos níveis. Para que essa implementação tenha sucesso, toda a sociedade deve ser mobilizada, o que pode ser acelerado com as políticas públicas (direcionada pelo governo para sociedade, desde empresas e indústrias e consumidores finais) e normas voluntárias (direcionado diretamente a empresas e indústrias) devem ser criadas para maior mobilização.
As políticas públicas viabilizadoras do modelo circular, por sua vez, demonstram o seu papel impulsionador e poderão ser, à princípio, adequadas a cada realidade do país em questão, como demonstrado entre a União Europeia e a China. Além disso, a presença de parcerias público-privada, principalmente de longo prazo, se faz necessária para dissolver resistências e desafios que o modelo circular ainda apresenta. Por fim, a estratégia de atuação conjunta de mais de um tipo de política pública que englobam aspectos econômicos e ambientais tende a ser uma abordagem mais promissora para os formuladores de políticas, a fim de alcançar uma abordagem sistêmica mais coerente e consistente.
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[1] Responsabilidade Estendida do Produtor (REP): Neste conceito, a gestão dos resíduos pós-consumo, antes de responsabilidade dos consumidores e da administração pública, passa a ser parcial ou integralmente dos fabricantes de produtos. Desse modo, este agente passa a atuar ativamente no processo de eco-design dos seus produtos de modo a reduzir o impacto ambiental causado por eles no final do seu ciclo de vida. Fonte: Demajorovic e Massote (2017).
Referências
DEMAJOROVIC, J.; MASSOTE, B. Acordo Setorial de Embalagem: Avaliação à Luz da Responsabilidade Estendida do Produtor. Revista de Administração de Empresas, v. 57, nº 5, p. 470-482, 2017.
GEISSDOERFER, M., SAVAGET, P., BOCKEN, N. M., & HULTINK, E. J. The Circular Economy–A new sustainability paradigm? Journal of Cleaner production, v. 143, p. 757-768, 2017.
GHISELLINI, P., CIALANI, C., & ULGIATI, S. A review on circular economy: the expected transition to a balanced interplay of environmental and economic systems. Journal of Cleaner production, v. 114, p. 11-32, 2016.
KIRCHHERR, J., REIKE, D., & HEKKERT, M. Conceptualizing the circular economy: An analysis of 114 definitions. Resources, Conservation and Recycling, v. 127, p. 221-232, 2017.
MCDOWALL, W. et al. Circular Economy Policies in China and Europe. Journal of Industrial Ecology, v. 21, nº 3, p. 651-661, 2017.
MILLIOS, L. Advancing to a Circular Economy: three essential ingredients for a comprehensive policy mix. Sustainability Science, v.13, p. 861–878, 2018.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), 2015. Adoção do Acordo de Paris. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/acordodeparis/>. Acesso em: julho. 2019.
PAEC. (2017). Liderar a Transição: Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal 2017-2020. República Portuguesa. Disponível em:<http://eco.nomia.pt/pt/recursos/noticias/planoeconomiacircular>. Acesso em: junho. 2019.
STAHEL, W.R. Policy for material efficiency—sustainable taxation as a departure from the throwaway society. Philosophical Transactions of The Royal Society: A Mathematical Physical and Engineering Sciences, 2013. Doi: 10.1098/rsta.2011.0567.
ZHU, J. et al. Efforts for a Circular Economy in China. Journal of Industrial Ecology, v. 0, nº 0, p. 01-09, 2018.