A Economia Circular é um tema que chama a atenção pela atualidade, pela pertinência e pela possibilidade real das empresas se beneficiarem economicamente de ações de respeito ao meio ambiente.
Ao longo da sua história a humanidade extraiu materiais da natureza, produziu bens com esses materiais, usou-os e descartou-os. Essa é a chamada Economia Linear, onde o fluxo de materiais e produtos se dá em um só sentido. Este modelo já mostra sinais de esgotamento em função do crescimento populacional associado ao aumento do padrão médio de consumo, ao desenvolvimento de materiais sintéticos e à produção industrial de massa. Os recursos naturais são volumosos, mas são finitos. Se a nossa civilização insistir nesse caminho eles se esgotarão em algum momento.
Definição e histórico – A chamada Economia Circular (EC) vem sendo apresentada por vários autores como uma evolução necessária dessa Economia Linear para a preservação dos recursos naturais[1] e da humanidade, sem que os aspectos econômicos para empresas e sociedade sejam negligenciados. A Fundação Ellen McArthur dedica-se totalmente à divulgação e promoção de ações voltadas para a Economia Circular[2] e é uma excelente fonte de informações sobre o tema.
Pode-se dizer que a EC vai além da preservação ambiental e da sustentabilidade, porque em sua essência visa fechar o ciclo de vida de materiais e produtos, fazendo com que o rejeito de um processo seja o insumo para outro até que o último processo seja ou digestão microbiana ou aproveitamento energético como nomeado por Braungart, “cradle-to-cradle (C2C)”[3].
A figura abaixo[4] esquematiza esse conceito.
O conceito de EC está em evolução, mas suas raízes são antigas. Na virada do século XIX para o século XX algumas ideias já começavam a ser colocadas[5] , ligadas a movimentos de preservação ambiental que já apareciam naquele período. Ao longo do tempo, essa ligação da Economia Circular com a preservação do meio ambiente foi sendo ampliada.
Até 2012 a EC era vista apenas pela sua vertente de sustentabilidade (Redução, Reuso e Reciclagem de materiais)[6]. Posteriormente, novos artigos passam a agregar a perspectiva de sistemas para se fechar o ciclo (C2C), abrangendo desde o microssistema (concepção dos produtos e materiais) até o macrossistema (mudanças amplas na própria estrutura da indústria e até mesmo de cidades).
No mundo – O conceito de EC se firmou na Europa nos anos 1980-1990, focado no conceito de hierarquia de rejeitos e buscando sempre em primeiro lugar reduzir sua geração, depois seu reuso, reciclagem, aproveitamento de sua energia e só em último caso, descarte. Na realidade a maior parte das ações tem sido para reciclagem, enquanto redução e reutilização têm sido, normalmente, relegadas ao segundo plano[7]. Mesmo as ações de reciclagem ficam restritas aos materiais de maior valor econômico, tais como lítio de baterias ou alumínio de latas. Materiais de baixo valor econômico têm sido, em sua maioria, incinerados ou dispostos em aterros sanitários.
Há muitas ações e projetos em curso em vários países, especialmente na China e na União Europeia, os principais polos onde a EC mais se desenvolve, devido ao crescente problema com degradação do meio ambiente e acesso a matérias primas. Na China a Economia Circular é uma política estabelecida pelo governo central, enquanto na União Europeia, assim como no Japão e nos EUA, a EC tem sido empregada pelas corporações e por governos como uma ferramenta para políticas ambientais de gestão de rejeitos, complementando outras ações voltadas à sustentabilidade.
Outra vertente que cresce muito é a substituição de aquisição de produtos (propriedade) para uso de serviços, como, por exemplo, compartilhamento de automóveis, como o AutoLib na França ou o Sunfleet e o Move About na Suécia, ou o programa “By the mile” da Michelin de “aluguel” de pneus[8]. Isso se insere na Economia Circular aumentando o grau de utilização dos equipamentos e produtos, seu reuso mais extensivo, maior busca por eficiência do processo, reciclagem ou recuperação da energia ao final da sua vida útil.
No Brasil – No nosso país o setor de borrachas, particularmente o subsetor de pneumáticos, tem práticas bastante alinhadas com a Economia Circular que se iniciaram bem antes desse conceito se tornar conhecido. Como bom exemplo, podemos citar a reforma de pneus, que é extensamente empregada no País e é uma forma economicamente viável de estender seu uso. O emprego de embalagens retornáveis metálicas é outra prática do segmento de borrachas que se enquadra dentro dos princípios da Economia Circular[9]. O trabalho da RECICLANIP na coleta e destinação de pneus inservíveis seja como combustível em fornos de cimento, seja como aditivos para asfalto ou como pisos e outros artefatos. Neste último caso, a Resolução 416/09 do Conama, que regulamenta a coleta e destinação dos pneus inservíveis foi a chave para a indústria se organizar e criar essa estrutura que vem operando muito bem há anos. Em 2017 foram 458 mil toneladas de pneus recolhidos e destinados adequadamente.
O uso de borracha natural na composição de diversos artefatos de borracha adiciona um componente renovável ao ciclo de materiais, o que é muito bom, mas ser reciclável não elimina a necessidade de adotar práticas de EC para manter esses materiais em uso antes do seu descarte.
Artefatos – Os subsegmentos de peças técnicas industriais e autopeças têm um desafio maior do que o de pneus na medida em que o volume total é menor, e em contrapartida, o número de itens e a diversidade de materiais e de destinos é maior. Aqui, a identificação do polímero nos artefatos ajudaria no seu reuso e reciclagem.
Calçados sofrem influência da moda, que de certa forma, contraria a diretriz de redução de rejeitos uma vez que a moda incentiva o descarte prematuro de itens. Um aumento do emprego de borracha termoplástica poderia ajudar na reciclagem.
A indústria e a sociedade ainda estão se ajustando. As ações estão ainda muito focadas em reciclagem, por ser o ciclo mais fácil de ser implementado. No entanto, para que se possa usufruir mais das vantagens da EC, iniciativas em redução de consumo e de reuso vão precisar aumentar em número e em importância e para isso, novos produtos serão projetados para serem reparados com mais facilidade e reutilizados várias vezes, como forma de estender suas vidas úteis. Precisarão ainda ter suas partes separadas para reciclagem para reduzir o descarte e ao final do ciclo, deverão poder ser degradados por micro-organismos ou serem usados para geração de energia. No entanto, há uma série de barreias tecnológicas[10] para a plena aplicação desse conceito: desvulcanização, deslaminação, separação de ligas metálicas ou plásticas, hoje processos inexistentes ou com altíssimo consumo de energia.
Para identificação dos materiais empregados que facilitaria o reuso e reciclagem, há propostas para definir-se um “passaporte” de produto para rastrear seu ciclo de vida[11], desde a produção até seu descarte. É um desafio grande. Tecnologias como “blockchain” poderiam ser empregadas[12], mas para sua disseminação um padrão necessariamente deveria ser desenvolvido e internacionalmente aceito.
Como Stahel escreveu, tornar a economia global um sistema 100% circular é uma utopia, tendo em vista as limitações termodinâmicas para a completa recuperação de energia[13], a impossibilidade dentro do conhecimento atual de reciclar-se a totalidade dos materiais indefinidamente, questões sociais e políticas entre outras. Entretanto, a Economia Circular parece ser um caminho necessário para a sociedade humana, tendo em vista que o planeta em que vivemos é um sistema fechado, sem praticamente nenhuma troca com o ambiente externo. Os recursos são finitos e, sendo assim, o modelo de economia linear se ainda não se esgotou, vai chegar a um limite em algum momento, em vista o crescimento da população e a melhoria da média de condição de vida das pessoas. A implementação da Economia Circular vai requerer mais que novas tecnologias e produtos, mas uma cadeia de suprimento e logística muito eficiente e principalmente um novo sistema de interação econômica com um enorme valor econômico, que pode chegar a mais de 20 trilhões de dólares em 2050[14].
[1] Boulding, K., 1966. The economy of the coming spaceship earth. In: Daly, H., Freeman, W.H. (Eds.), (1980). Economics, Ecology, Ethics: Essay towards a Steady State Economy, San Francisco.
[2] https://www.ellenmacarthurfoundation.org/our-story/mission
[3] Ghisellini et al (2016). A review on Circular Economy: The expected transition to a balanced interplay of environmental and economic systems, Journal of Cleaner Production 114 (2016) 11-32
[4] W. Stahel, Circular economy, Nature, V. 531, p. 435-438, 2016.
[5] Lacy e Rutqvist (2015). Waste to wealth: The circular economy advantage. Caps 2 e 3
[6] Kirchherr et al (2017). Conceptualizing the circular economy: An analysis of 114 definitions, Resources, Conservation & Recycling 127 (2017) 221–232
[7] McDowal, W. et al, Circular Economy Policies in China and Europe, Journal of Industrial Ecology, 2017, Volume 21, Number 3
[8] No Brasil fabricantes de pneus e reformadores de pneus já oferecem há bastante tempo sistemas de gerenciamento de ciclo de vida do pneu para os frotistas, buscando estender ao máximo o uso da carcaça do pneu antes do seu descarte.
[9] As embalagens são um problema grande, uma vez que são usadas apenas uma vez em sua maior parte. O uso de embalagens retornáveis elimina por completo o descarte, embora adicione etapas de logística reversa e limpeza que tem impacto negativo na Sustentabilidade.
[10] W. Stahel, Circular economy, Nature, V. 531, p. 435-438, 2016.
[11] Lacy e Rutqvist (2015). Waste to wealth: The circular economy advantage. Cap. 12
[12] Maria Antikainen et al, Digitalisation as an Enabler of Circular Economy, 10th CIRP Conference on Industrial Product-Service Systems, IPS2 2018, 29-31 May 2018, Linköping, Sweden
[13] Daly, H.E., 1977. The Steady-state Economy. The Sustainable Society: Implications for Limited Growth. Praeger, New York and London, pp. 107e114. Available: http://www.amalthys.com/greenpath/019steadystate.html (accessed 22.03.15.).
[14] Lacy e Rutqvist (2015). Waste to wealth: The circular economy advantage. Caps 2 e 3