No contexto da Economia Circular, a Logística Reversa é apresentada como um novo modelo de logística empresarial, que objetiva planejar, operar e controlar o fluxo de bens de pós-venda, garantindo seu retorno ao ciclo produtivo. Este modelo vai na contramão da lógica linear tradicional, onde produtos feitos a partir de recursos naturais são processados e descartados após o uso, sendo prejudicial em termos ambientais e possuindo baixa eficiência econômica. A Logística Reversa (LR) envolve todos os players da cadeia, desde a indústria até o consumidor final, como esquematizado abaixo:
Neste modelo de negócio, o consumidor (ou colaborador) deixa de ser a ponta final da cadeia e assume uma posição inicial, garantindo a separação adequada de materiais recicláveis e promovendo o recolhimento destes, de forma a reintroduzi-los no ciclo. Em seguida, entra o ator responsável pela logística, fazendo a ponte entre o consumidor final e o agente transformador: a indústria. Esta última terá ação reconstrutora, garantindo a reciclagem, transformação, remanufatura ou reaproveitamento dos bens em questão. Isto permite que o resíduo da logística linear seja utilizado como matéria prima para um novo ciclo logístico, garantindo circularidade daquele recurso.
Por mais simplista que possa parecer, este conceito de LR ligado a Economia Circular é muito recente e só começou a aparecer em artigos científicos a partir de 2016. O primeiro documento científico do assunto foi publicado em 2016 , mostrando interesse recente da relação da economia circular com a logística reversa na ciência. O documento, intitulado “The importance of Extended Producer Responsibility and the National Policy of Solid Waste in Brazil”, publicado pela Universidade Mackenzie (Brasil) em parceria com a Lund University (Suécia) trata da responsabilidade do produtor e da política nacional de resíduos sólidos no Brasil. Esta política impôs diretrizes e metas aos municípios e estados, nos quais passaram a fornecer a coleta e o pré-tratamento necessário aos Resíduos Sólidos, dentro do modelo de negócio de logística reversa (POLZER et al., 2016). A partir de 2016, fica evidente o crescimento significativo de publicações, demonstrando projeção de aumento nos próximos anos. Ao todo, 18 documentos foram publicados nos últimos 3 anos, dentre os quais, 12 somente em 2018.
O Reino Unido se destaca com 6 publicações, seguido dos EUA com 3 documentos. Os artigos do Reino Unido abordam diferentes perspectivas do tema abordado, como: as interações entre as administrações das propriedades universitárias e a economia circular, a importância dos mercados secundários (a medida que se relacionam com a logística e sustentabilidade, e também da adoção do setor manufatureiro chinês à logística reversa, entre outros. Este último, por exemplo, intitulado “Total quality environmental management: Adoption status in the Chinese manufacturing sector”, do ano de 2018, foca no setor manufatureiro da China. Foi realizada uma pesquisa através de questionários para saber se as organizações participantes do estudo (total de 119) têm adotado o sistema de gestão ambiental TQEM (Total Quality Environmental Management). Como resultado, 43% das organizações mostraram ser adeptas ao sistema, sendo que dentre as não adeptas, o principal motivo é a falta de consciência seguido da falta de apoio da alta gerência (GARZA-REYES et al., 2018). Em um dos artigos, intitulado “Waste Picker Organizations and Their Contribution to the Circular Economy: Two Case Studies from a Global South Perspective”, do ano de 2017, aparece o Brasil com uma parceria com a Argentina, Canadá, Suécia, com dois estudos de caso que visam ilustrar a importância do trabalho dos catadores informais e organizações para a economia circular (GUTBERLET et al., 2017).
O estágio embrionário da Logística Reversa como parte da Economia Circular pode ser compreendido ao buscar as duas publicações mais recentes do assunto, que revelam que pesquisadores ainda estão tentando disseminar este modelo de negócio em diferentes indústrias e países. O documento mais recente (2018), publicado pela Universidade de Macquarie na Austrália, possui o objetivo de fornecer uma referência útil para acadêmicos, pesquisadores e profissionais da indústria para melhor compreender as atividades e pesquisas de logística reversa voltada para WEEE (Waste Electrical and Electronic Equipament). Para isso, faz uma revisão da literatura sobre logística reversa em circuito fechado de Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos. (ISLAM, M. T.; HUDA, N., 2018).
Em destaque também, publicado em 2018, foi o artigo intitulado “Circular economy business models in developing economies: Lessons from India on reduce, recycle, and reuse paradigms”, parceria entre Institute for Competitiveness (Índia), Harvard University (EUA) e Grenoble Ecole de Management (França). O documento aborda como o modelo de economia circular está impulsionando países em desenvolvimento econômico, como a Índia, para projetar e implementar modelos de negócio baseados em reduzir, reutilizar e reciclar. A empresa Haathichaap usou esterco de elefante para a produção de papel, diminuindo a utilização de madeira na linha de produção, e também a Goonj que desenvolveu um modelo de negócio baseado na redistribuição de roupas para o segmento economicamente desfavorecido (GOYAL et al., 2018).
No Brasil, algumas empresas estão avançando na adoção de um modelo menos linear. Um exemplo é a Coca Cola Brasil. Tendo em vista que 900 toneladas de resíduos plásticos são despejados por hora nos oceanos, em janeiro de 2018, a Coca-Cola iniciou um projeto ambicioso chamado “Mundo sem resíduos”. Com o objetivo de recolher 100% das embalagens que coloca mundialmente no mercado, até 2030, irá investir R$1,6 bilhões, entre 2016 e 2020. Para isso, pretende incentivar iniciativas de inclusão do catador, engajar o consumidor na adoção de medidas sustentáveis e fazer ampliação da linha de retornáveis, garantido que sejam projetadas embalagens 100% recicláveis. A ideia é que “se algo pode ser reciclado, deve ser reciclado” (THE COCA COLA COMPANY, 2018). O plano prevê aumentar a coleta de plástico PET e ajudar a providenciar conteúdos reciclados para todas as indústrias, pois este material é um grande motor para a economia circular, dadas as inúmeras utilidades do mesmo.
A empresa vê a parceria com cooperativas de catadores como uma estratégia para conseguir alcançar seu objetivo, tendo firmado parceria com 304 unidades no Brasil, em 19 estados, representando mais de 6,6 mil catadores. Como impacto direto, há a melhoria na qualidade de vida destes catadores e aumento da renda e da eficiência da coleta. Tendo como parceiros regionais a Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT), a empresa foi capaz de implementar indicadores de performance em cada unidade, estabelecendo uma meta que, se atingida, promoverá a melhoria das unidades e otimização dos processos. A Coca Cola Brasil entende que as cooperativas de catadores são um elo no retorno dos materiais à cadeia produtiva e, portanto, deve investir na gestão destes ativos, que por vezes são marginalizados e mal vistos na sociedade.
Outro caso de sucesso diz respeito a uma parceria entre HP Brazil & Sinctronics que tem como lema “Creating a reverse logistics ecosystem”. A parceria entre essas empresas foi a primeira iniciativa em economia circular no setor eletrônico do Brasil. Nesse sentido, a HP, juntamente com a Sinctronics, estabeleceu um sistema de logística reversa. A coleta de custos foram reduzidos em 30% no Design e 50% na Produção dos produtos, sendo possível através de 97% dos materiais reincorporados.
Foi estabelecido um centro de reciclagem e inovação próximo ao local de fabricação A forte comunicação entre as empresas permitiu um conhecimento mais atualizado sobre a desmontagem dos produtos. Com a pesquisa e parceria, as empresas desenvolveram um plástico branco reciclado, com o critério de qualidade e estética, que foi implementado em produtos eletrônicos. O processo para o desenvolvimento do plástico é muito rigoroso, já que é necessário manter a coloração requerida. O produto é produzido de 94% do plástico reciclado e 6% de pigmentos e aditivos, atingindo uma pureza de 96%, como mostra a Figura 2. Além disso, conforme figura 3, as alças para as embalagens do produto puderam ser produzidas através de resíduos de produtos eletrônicos.
Esses casos de sucesso demonstram que estamos na direção certa. Ainda assim, o caminho a ser percorrido ainda é longo e já indica alguns percalços. A Coca Cola Brasil enfrenta dificuldades para conseguir recolher material reciclado em áreas de difícil acesso no país, bem como o custo associado a isso, que pode inviabilizar economicamente sua estratégia de retirar 100% das embalagens que coloca no mercado. Para isso, conta com empresas parceiras que realizem a coleta. Com isso, outro problema pode ser identificado, como a falta de boas práticas e padronizações das cooperativas de catadores, que se mostram um gargalo e um desafio para a companhia, dada a magnitude e diversidade sociocultural do país. Para minimizar esses problemas, é necessário obter escala, maximizar os volumes para minimizar os custos. É importante um bom planejamento, para assegurar a transformação do modelo linear em circular e dar um passo a frente no caminho da sustentabilidade.
NOTAS
1. A busca dos artigos foi realizada na base científica Scopus por meio da combinação das keywords (palavras-chaves) “reverse logistic” AND “circular economy”. Utilizou-se também os filtros por ano (2008 – 2018), e tipos de documentos (Articles or Review).
REFERÊNCIAS
1. Ellen MacArthur Foundation. Case Studies. https://www.ellenmacarthurfoundation.org/case-studies/increasing-post-consumer-plastic-content-in-packaging. Acessado em: Set. 2018.
2. Coca Cola Brasil. https://www.cocacolabrasil.com.br/historias/por-que-um-mundo-sem-residuos-e-possivel
3. Coca Cola Brasil. https://www.cocacolabrasil.com.br/imprensa/release/coca-cola-brasil-anuncia-investimento-para-o-compromisso-mundo-sem-residuos. Acessado em: Set. 2018.
4. Coca Cola Brasil. https://www.cocacolabrasil.com.br/historias/sustentabilidade/um-mundo-sem-residuos-the-coca-cola-company-anuncia-meta-ambiciosa-para-embalagens-sustentaveis
5. Ministério do Meio Ambiente. http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/residuos-perigosos/logistica-reversa. Acessado em: Set. 2018.
6. VICKERS, B. World Circular Economy Forum. Disponível em: <pt.slideshare.net/WorldCircularEconomyForum/brent-vickers-world-circular-economy-forum-2017-helsinki-finland>. Acessado em: Set. 2018.
7. GOYAL, S.; ESPOSITO, M.; KAPOOR, A., 2018. Circular economy business models in developing economies: Lessons from India on reduce, recycle, and reuse paradigms. Thunderbird Int Bus Rev., v.60, pp.729-740.
8. ISLAM, M. T.; HUDA, N., 2018. Reverse logistics and closed-loop supply chain of Waste Electrical and Electronic Equipment (WEEE)/E-waste: A comprehensive literature review. Resources, Conservation & Recycling, v.137, pp.48-75.
9. POLZER, R. V.; PISANI, M. A. J.; PERSSON, K. M., 2016. The importance of Extended Producer Responsibility and the National Policy of Solid Waste in Brazil. Int. J. Environment and Waste Management, v.18, pp.101-119.
10. TAVARES, A.S. A cadeira produtiva da indústria química no contexto da economia circular. 2018. 160p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos – Escola de Química/UFRJ. Rio de Janeiro, 2018.
11. GARA-REYES, J. A.; YU, M.; KUMAR, V.; UPADHYAY, A., 2018. Total quality environmental management: adoption status in the Chinese manufacturing sector. The TQM Journal, v.30, pp. 2-19.
12. GUTBERLET, J.; CARENZO, S.; KAIN, J-H.; AZEVEDO, A. M. M., 2017. Waste Picker Organizations and Their Contribution to the Circular Economy: Two Case Studies from a Global South Perspective. Resources, v.6 (4), p.52.