Como visto nos artigos anteriores do blog, a Economia Circular trata de um modelo holístico de sustentabilidade que busca principalmente manter o ciclo de vida útil dos materiais, produtos e seus componentes, eliminando ou minimizando o uso de compostos tóxicos e transformando os resíduos em novos recursos (1). Mais do que reutilizar, remanufaturar e reciclar, a economia circular tem como foco o redesign dos produtos e dos modelos de negócios de modo a favorecer os processos ao final da cadeia e fazê-los recircular (2).
O cerne do conceito, apesar de iniciado na década de 70 por Boulding como ciclo de recursos (produção e regeneração de recursos) (3), só passou a ganhar escopo e forma como tal a partir da década de 90 com a intersecção de diversas escolas de pensamento: Design regenerativo (Prof. John T. Lyle, 1980s); “Performance economy” (Prof. Walter Stahel, 2006); Cradle to Cradle (Prof. Michael Braungart e William McDonough, 2003); Ecologia industrial (Prof. Roland Clift, Thomas E. Graedel, 2001); Biomimética (Janine Benyus, 2003), Capitalismo Natural (Amory e Hunter Lovins e Paul Hawken, 2008) e Economia Azul (Gunter Pauli, 2010) (1). Diversas organizações mundiais foram formadas para o desenvolvimento deste modelo, como por exemplo, o Forum For The Future (5) e Circle Economy (6) e a Fundação Ellen MacArthur, referência internacional com diversos trabalhos publicados, com destaque para o relatório “Towards the Circular Economy”, de 2012 (4).
A Economia Circular tem como princípios básicos: i) manter o capital natural ao equilibrar a gestão dos recursos renováveis e dos estoques finitos; ii) otimizar a circulação dos produtos por maior tempo possível tanto no nível biológico quanto no técnico mantendo desempenho e valor; e iii) tornar o sistema efetivo ao minimizar ou eliminar externalidades negativas (1). Dessa forma, visa integrar o tripé de desenvolvimento econômico, proteção ambiental e responsabilidade social.
Neste contexto, vale aqui uma reflexão da relação da Economia circular com a indústria química, setor que se relaciona à montante e à jusante com diversos setores da economia, desde a agricultura à aeroespacial.
Com previsão de taxa de crescimento de 2,2% ao ano até 2025 (7) e 10,8% de participação no PIB industrial (8), a indústria química brasileira exerce um importante papel no desenvolvimento industrial, econômico, social e ambiental de um país. Segundo dados da ABIQUIM (8), a indústria química é a 8ª maior do mundo, em termos de faturamento líquido, tendo obtido US$ 109,2 bilhões em 2016, considerando todos os seus segmentos, em que a maior parcela deve-se aos produtos químicos de uso industrial, que representaram 48% nesse mesmo ano.
Todavia, a estagnação entre produção e venda nacional nos últimos 10 anos, tem acarretado um em histórico permanente de déficit comercial, totalizando US$ 23,4 bilhões em 2017, isto é, 6,5% acima do ano anterior (9). Desse modo, a economia circular, em seus conceitos mais amplos, pode colaborar para a alavancagem competitiva da indústria química brasileira ao buscar a integração em ciclo e a minimização de desperdício, gerando valor para toda a cadeia produtiva.
Como comentado no artigo “O que a Biotecnologia tem a ver com a Economia Circular?” deste blog, a Fundação Ellen MacArthur classifica a economia circular em 4 grandes “building blocks”: 1) modelo de design, 2) novos modelos de negócios, 3) ciclos reversos e 4) Fatores Viabilizadores e Condições Sistêmicas Favoráveis (FVCSF) (10). Nesse sentido, devido à amplitude de aplicação da indústria química vale destacar aqui nesse artigo a sua intersecção significativa com os três primeiros modelos de economia circular, ressaltando-se que não menos importantes são as políticas públicas, que serão discutidas em uma próxima oportunidade.
Os casos orientados para o “modelo de design” devem ter como foco o redesenho do produto ou serviço desde a sua concepção direcionada para favorecer o reuso, a reciclagem ou a remanufatura. Desse modo, pode-se destacar no setor têxtil, o tapete modulável da Interface®, em que o elemento ligante do carpete é um adesivo sustentável sintetizado de amido acetilado que, por ação de uma solução alcalina, pode ser separado e as fibras do carpete podem ser recicladas, como mostra a Figura 1 (11).
Além disso, esta empresa iniciou, em 2013, em colaboração com a Zoological Society of London (ZSL) e a Aquafil, um empreendimento nas Filipinas denominado Net-Works, no qual as redes de pesca descartadas são recicladas e as fibras de náilon resultantes são utilizadas na fabricação dos carpetes modulares (2). A Interface® uma joint venture entre a companhia britânica Carpets International Plc. (CI) e um grupo americano de investidores e especializada na produção de carpetes moduláveis e sustentáveis (12), a ZSL é uma organização britânica de cunho científico e educacional para a conservação de animais e seus habitats (13), enquanto que a Aquafil é uma empresa italiana especializada na produção de Poliamida 6 (14). Desse modo, há inclusão social de pescadores, redução do uso de materiais virgens e preservação da vida marinha. Outro exemplo a se destacar é da empresa americana Ecovative Design (15), especializada no desenvolvimento de tecnologias utilizando o micélio de cogumelos, possui um portifólio de biomateriais de alta performance e compostáveis a partir de resíduos agrícolas. A MycoBoard™, por exemplo, é uma de suas linhas de produtos, em que biomadeiras fabricadas podem ser utilizadas para mobílias, além de apresentarem maior resistência ao fogo.
Nos “Novos modelos de negócios”, a economia circular busca transformar o produto como serviço e o consumidor como usuário por meio da economia de compartilhamento e da inovação aberta. Dentro do contexto da indústria química pode-se citar um novo modelo de comercialização de produtos químicos, denominado de “chemical leasing”, em as funções desempenhadas pelas unidades químicas e funcionais passam ser a unidade de venda, substituindo o foco de volume de vendas para o seu valor agregado. Com isso, tem-se o uso eficiente de produtos químicos, a redução de riscos e a proteção à saúde humana (16). Alguns setores como, por exemplo, de alimentos, construção civil e serviços, dentre outros, têm sido mais impactados (17). No setor automotivo, por exemplo, a PERO Innovative Services GmbH (joint venture entre a PERO AG e a Safechem Umwelt Service GmbH) realizou o “chemical leasing” na limpeza de peças metálicas produzidas pela companhia austríaca Automobiltechnik Blau ao utilizar um equipamento baseado na economia de produtos químicos, energia e outros custos e ao negociar o preço do serviço por número de partes de peças limpas (17). Esse novo modelo de negócio possibilitou a redução por ano de 72% no consumo de solvente e de pelo menos 50% em energia, o que levou a ganharem o prêmio Global Chemical Leasing Award em 2010 (17). Outra empresa que também desenvolve produtos com vista ao uso eficiente de recursos é a companhia americana Ecolab®, cujo core business é o uso de tecnologias limpas e a minimização de desperdício no tratamento de água, higiene, energia e serviços (18). Em 2014, recebeu essa premiação (19) em conjunto com o Windsor Atlântica Hotel, no Brasil, pela comercialização personalizada dos seus produtos químicos, que passou de Reais (R$) por galão ou Kg de produto para Reais (R$) por quarto ocupado por dia e com a introdução de novas máquinas de dosagem automática, reduzindo o consumo desses produtos em 40%, além de água e energia, e pelo treinamento dos funcionários do hotel quanto ao uso seguro desses produtos (20).
Em relação aos “Ciclos Reversos” a economia circular visa não somente retornar materiais e produtos ao final de seu ciclo à cadeia produtiva, bem como fazê-lo de modo que possa ser competitivo e a maior quantidade de vezes possível. A multinacional francesa Veolia, por exemplo, em conjunto com sua subsidiária sueca, AnoxKaldnes AB, desenvolveu, em 2015, uma planta piloto para a produção e recuperação do bioplástico polihidroxialcanoato (PHA) a partir de água residual por meio de processo biotecnológico (21). A Veolia atua principalmente no de tratamento de água e resíduos para operações upstream e downstream de Óleo & Gás, enquanto que a AnoxKaldnes é responsável pelo tratamento biológico de água residual baseado na tecnologia MBBR (Moving Bed Biofilm Reactor) (22). Além disso, outros setores já apresentam fortes tendências de mudanças nos seus nichos de mercado. Pode-se citar a Umicore, companhia belga reconhecida mundialmente por desenvolver processos limpos na área de metais e mineração, ao extrair ouro e cobre de resíduos eletroeletrônicos, retorna-os à cadeia produtiva ao mesmo tempo em que reduz sua extração das fontes virgens (23). A Chung Hwa Pulp Corporation, subsidiária taiwanesa da YUEN FOONG YU GROUP e atuante no processamento de papel e celulose, tem otimizado a geração de calor, biogás (DME e metanol) e eletricidade a partir de seus resíduos por meio de seus processos integrados (24).
Pode-se observar, assim, que a economia circular trata de um novo modelo de sustentabilidade em que serão necessárias quebras de paradigmas nos processos de produção, padrões de consumo e novas políticas públicas para que a transição de fato ocorra. Apesar do cenário econômico ainda instável, a indústria química deve enfrentar tal fato como oportunidade para novos negócios e utilizar o seu papel como impulsionadora, por meio de seus processos e produtos, bem como provedora de inovações para favorecer seu desenvolvimento. A busca constante pela sinergia entre o modelo linear e circular, sempre que possível, poderá minimizar externalidades negativas a nível econômico, social e ambiental.
Referências