A Economia Circular, apesar de parecer ser um conceito novo, é discutida em diversas escolas de pensamento desde a década de 1970. Entre estas, pode-se citar o Design regenerativo (Prof. John T. Lyle, 1970), a Ecologia Industrial (Prof. Roland Clift, Thomas E. Graedel, 2001); a Biomimética (Janine Benyus, 2003), Capitalismo Natural (Amory e Hunter Lovins e Paul Hawken, 2008) e Economia Azul (GunterPauli, 2010)(ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015). Passou a ganhar representatividade há mais de uma década com o apoio de instituições como a Ellen MacArthur Foudation, British Standards Institution (BSI), CircleEconomy, WRAP, entre outras, que iniciaram programas e parcerias com organizações públicas e privadas para acelerar a transição da economia linear para o modelo circular.
Nesse contexto, conforme já discutido nas nossas publicações anteriores, a economia circular pode ser definida como um modelo de produção e serviços restaurador e regenerativo por design que busca gerar ou manter valor em toda a cadeia, sendo dividida entre ciclos técnicos e biológicos. Por restaurador, entende-se à recuperação dos recursos gastos em novos produtos e serviços e regenerativo pela recuperação dos sistemas biológicos (Figura 1).
Um estudo realizado pela Ellen MacArthur Foundation, a SUN e a McKinsey verificou que a adoção do modelo circular na Europa pode reduzir pela metade os custos anuais com recursos primários, outros custos financeiros e externalidades negativas até 2030. No Reino Unido, por exemplo, os custos com aterros sanitários podem ser economizados em US$ 1,1 bilhão por ano. A geração de empregos também é potencializada com o desenvolvimento da logística reversa e uma nova economia baseada em serviços. A modelagem feita no estudo estimou na Dinamarca, por exemplo, a geração de 7.300 – 11.300 vagas de trabalho até 2035 em relação ao cenário atual (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015).
O equilíbrio entre o crescimento econômico, o desenvolvimento sustentável e a preservação do meio ambiente é pauta de longas pesquisas. Um modelo referência bastante citado na literatura é a Curva Ambiental de Kuznets (CAK), que relaciona o impacto ambiental em função do PIB per capita sob a forma de uma parábola invertida ou U-invertido (SOUSA et al., 2016). Neste modelo, os níveis de poluição e a desigualdade de renda são crescentes nos primeiros estágios de desenvolvimento (fase ascendente da curva) até um ponto de inflexão, a partir do qual a sociedade se tornaria mais madura em relação à preocupação ambiental e a curva passaria a cair ao longo da ocorrência do crescimento econômico (ARRAES et al., 2006; SOUSA et al., 2016).
Algumas das variáveis ambientais utilizadas por essa metodologia são relacionadas, por exemplo, com a proporção da população sem acesso à saneamento básico, sem abastecimento de água, a taxa de mortalidade, a expectativa de vida, o déficit na alfabetização de adultos e a emissão dióxido de carbono (CO2) per capita (ARRAES et al., 2006). Contudo, este modelo não é plenamente aceito por muitos autores pelas controvérsias geradas ao ser aplicado entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, dadas as leis e regulamentações ambientais, além da consciência ambiental dos cidadãos mais avançadas do que nos países em desenvolvimento.
Outro fator não considerado na CAK é o retorno dos componentes à cadeia de valor e, por isso, a tentativa de mensurar e quantificar os conceitos e ações relacionados à Economia Circular tem sido pesquisado e calculado sob a forma de indicadores de circularidade. Estes, por sua vez, são úteis para avaliar empiricamente os efeitos do modelo circular como por exemplo a rentabilidade do negócio, a criação de empregos e os impactos ambientais.
Na literatura, os indicadores de circularidade são divididos em nível macro (cidade, país), meso (parques industriais) e micro (produto, organização e consumidores individuais). Podem ser quantificados a partir de diferentes parâmetros (valor econômico, massa, energia) e em função de diferentes variáveis (fluxos, ações, mudanças de estoque) ou proporções (LINDER et al., 2017).
No nível macro os indicadores medem o impacto socioeconômico da economia circular implementado por países ou cidades, além de auxiliar na avaliação, monitoramento e melhorias de políticas e programas, e tem recebido investimentos pesados pela Comissão Europeia, Japão e China, que tem utilizado a abordagem da Análise de Fluxo de Materiais (MFA) (LINDER et al., 2017;BANAITÉ, 2016).
Na China, a economia circular foi adotada pelo país como política nacional de desenvolvimento sustentável, sendo promulgadas leis e regulamentações nacionais para facilitar a implementação de projetos de demonstração da economia circular (GENG, 2012). Sendo o primeiro país a divulgar nacionalmente indicadores de circularidade,vale citar aqui alguns exemplos de indicadores macro que tem sido reportados, como o consumo de energia por unidade de PIB, o consumo de água por produto unitário em setores industriais-chave, a taxa de reciclagem de plásticos e as emissões de SO2(GENG et al., 2012). Apesar destes indicadores serem medidas valiosas para os tomadores de decisões e políticos no alcance dos objetivos estabelecidos pela política da economia circular, uma das críticas é a defasagem no conjunto de critérios de sustentabilidade adotados, isto é, indicadores sociais, empresariais, de materiais, de energia de modo completo, levando à necessidade de uma revisão períodica dos dados obtidos. (GENG, 2012).
No nível meso, este método também tem sido utilizado para avaliar a simbiose entre indústrias e o sistema urbano, isto é, avaliar o nível de troca de materiais entre os mesmos. Os indicadores mesoque têm sido desenvolvidos também utilizam a abordagem de Análise de Fluxo de Materiais (MFA), podendo incluir o número total de empresas, diversidade de setores industriais envolvidos nas atividades, o grau de conectividade entre as indústrias, entre outros (GENG et al., 2012). Os indicadores meso podem ser, por exemplo, o consumo de energia e de água por unidade de valor de produção industrial, a taxa de reciclagem de resíduos sólidos industriais, a proporção industrial de reutilização de água e a quantidade total de resíduos sólidos industriais para disposição final (GENG, 2012).
Um exemplo neste nível foi aplicado no setor da silvicultura por meio de um estudo feito por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Linköping na Suécia em 2007. Foi avaliado o fluxo de materiais e de energia da simbiose entre uma fábrica de celulose, uma serraria, uma rede de aquecimento urbano e uma planta de biocombustíveis no país.O modelo demonstrou os benefícios econômicos gerados, como baixos custos financeiros e estabilidade do sistema, e sugeriu pontos de melhoria tais como perdas no transporte e possíveis conflitos de interesse causados pela redução de incentivos na minimização de desperdícios e economia de energia (KARLSSON; WOLF, 2008).
Nos níveis macro e meso, as métricas desenvolvidas se encontram mais bem estabelecidas, porém ainda são encontradas controvérsias para medir a circularidade dedas organizações e dos seus produtos. Algumas iniciativas já foram tomadas, como da Fundação Ellen MacArthur, por exemplo, que identificou quatro categorias para a avaliação da circularidade neste nível: produtividade dos recursos, atividades circulares, geração de resíduos, energia e emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa)(PAULIUK, 2018). Em 2015, a Fundação em conjunto com a Granta Design criaram o projeto denominado “O Projeto de Indicadores de Circularidade”, que fornece às empresas uma metodologia e ferramentas da web, como o MCI Product-Level Dynamic Modelling Tool e Company-Level Aggregator Tool,para avaliar o desempenho de um produto ou empresa no contexto de economia circular, permitindo que as empresas estimem o quão avançado eles estão em sua jornada de linear a circular. Essa metodologia é integrada ao pacote MI: Product Intelligence , permitindo aos usuários analisarem e avaliarem uma série de riscos ambientais, regulamentares e de cadeia de suprimentos para seus projetos e produtos (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015).
Em 2017, a British Standards Institution (BSI) lançou a tentativa de um padrão para o nível micro, em que denominou de BS 8001:2017. Este padrão contém uma lista de definições, princípios e um painel de indicadores como guia de gerenciamento para a implementação da economia circular nas organizações (BRITISH STANDARDS INSTITUTION, 2017). Entretanto, este padrão tem sido alvo de questionamentos por não determinar a obrigatoriedade a algum requisito, não podendo então reivindicar a conformidade ou realizar alguma forma de certificação. Além disso, estabelece que as empresas sejam exclusivamente responsáveis pelos indicadores adequados, não existindo um ponto de partida ou uma ordem predeterminada e, com isso, pode se tornar vago e flexível (PAULIUK, 2018).
Outros autores, como Linderet al., (2017),apresentam um índice de circularidade financeira como a proporção do valor econômico recirculado dos componentes em fim de ciclo de vida sobre o valor total do produto. Di Maio e Rem (2015) apud Pauliuk (2018) propõem o índice de economia circular (CEI) como valor material (reciclagem) em percentagem do valor do material (novo produto). Scheepenset al., (2016) apud Pauliuk (2018) propõem um indicador que relaciona os custos de redução da poluição ambiental das atividades econômicas com o valor de mercado dos produtos e serviços fornecidos.
Assim, como podemos perceber, a economia circular pode trazer grandes benefícios e oportunidades, desvinculando o crescimento econômico da degradação ambiental, aumentando a rentabilidade da empresa, a vantagem competitiva e criando novas oportunidades de emprego a nível local. Nesse sentido, os indicadores ou a combinação de vários, são essenciais para avaliar o desempenho de um país, uma organização ou de um produto em relação aos princípios da economia circular. A questão atual é padronizar a medição da circularidade a nível global, isto é, como as empresas e governos podem garantir de modo sistêmico que estão sendo circulares e o quanto, sendo então um dos desafios a ser enfrentado. Para isso, são necessárias medidas robustas e legítimas de circularidade em uma atuação conjunta entre as esferas do poder para avaliar a eficiência da sua implementação em todos os níveis.
[1] Com o MI: Product Intelligence, os usuários podem importar, construir e editar contas de materiais para produtos ou projetos através de um aplicativo web , MI: BoMAnalyzer, ou eles podem trabalhar dentro de um sistema de CAD.” (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015)
Referências
ARRAES, R. A.; DINIZ, M. B.; DINIZ, M. J. T. 2006. Curva Ambiental de Kuznets e desenvolvimento econômico sustentável. RER, Rio de Janeiro, vol 44, nº 03, p.525-547, jul/set 2006
BANAITÉ, D. Towards Circular Economy : Analysis of Indicators in the. Social Transformations in Contemporary Society, v. 4, n. 4, p. 142–150, 2016.
BRITISH STANDARDS INSTITUTION. BS 8001 Circular Economy | BSI Group. Disponível em: <https://www.bsigroup.com/en-GB/standards/benefits-of-using-standards/becoming-more-sustainable-with-standards/Circular-Economy/>. Acesso em: 15 jan. 2018.
ELLEN MACARTHUR FOUNDATION. Circularity Indicators. (2015). Disponível: < www.ellenmacarthurfoundation.org/programmes/insight/circularity-indicators> Acesso: Jan.2018.
ELLEN MACARTHUR FOUNDATION. Towards a Circular Economy:Economic and business rationale for an accelerated transition. (2013). Disponível em: <www.ellenmacarthurfoundation.org/publications/towards-the-circular-economy-vol-1-an-economic-and-business-rationale-for-an-accelerated-transition>. Acessado: Jun. 2016.
ELLEN MACARTHUR FOUNDATION. Towards a Circular Economy: Business Rationale for an Accelerated Transition. (2015). Disponível:<www.ellenmacarthurfoundation.org/publications/towards-a- circular-economy-business-rationale- for-an- accelerated-transition>. Acesso: Jun.2016.
GENG, Y.; FU, J.; SARKIS, J.; XUE, B. 2012. Towards a national circular economy indicator system in China: an evaluation and critical analysis. Journal of Cleaner Production 23 (2012) 216-224
KARLSSON, M.; WOLF, A. Using an optimization model to evaluate the economic benefits of industrial symbiosis in the forest industry. Journal of Cleaner Production, v. 16, n. 14, p. 1536–1544, 2008.
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