Dentro das organizações, um modelo de negócio integra-se à cadeia de valor que tem o propósito de criar, entregar e capturar valor. As atividades, desde fornecedores de insumos até a entrega do produto ao consumidor final, dentro de uma cadeia, fornecem valor ao produto, sendo sua captura total ou parcial e os processos inovativos, sem dúvida,¹ possibilitam uma maior captura de valor, pois podem proporcionar diversas vantagens competitivas (ENCONTRO INTERNACIONAL DE GESTÃO DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO, 2017). O modelo de economia linear baseado em obtenção de recursos e venda de mercadorias, com foco na geração de lucro, contrapõe-se ao modelo de economia circular, que visa um menor consumo de material com a eliminação de resíduos da cadeia de valor (SARIATLI, 2017). Para que se substitua o modelo linear, as atividades primárias de uma cadeia de valor, como a criação e distribuição de um produto, além da assistência pós-venda, devem ser repensadas, do mesmo modo que outras atividades dentro de uma organização, sendo dessa maneira uma decisão estratégica.
Para entender melhor as formas como a Economia Circular têm se apresentado, é necessário estudar quais são os modelos de negócio circulares. É nesse ponto que a literatura abre um leque de vertentes. No NEITEC (Núcleo de Estudos Industriais e Tecnológicos, EQ/UFRJ), algumas das diretrizes que seguimos são fornecidas pela Ellen MacArthur Foundation, incluindo os seus modelos de negócio. Entretanto, não existe uma única perspectiva sobre como classificar a forma de criar, entregar e capturar valor. Um assunto tão recente quanto Economia Circular gera interesse de diversos estudiosos e pesquisadores, e uma revisão nas bibliografias nos mostra a diversidade de pensamentos tangentes ao assunto.
Nesse artigo, objetiva-se trazer uma perspectiva diferente da Ellen MacArthur Foundation, mostrando que, embora o conceito não esteja fechado, existem similaridades entre os diferentes autores. Foram identificados os modelos de negócio citados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que seguem os mesmos padrões identificados pela Accenture Strategy. O modus operandi destes modelos circulares foram comparados com seus equivalentes na Economia linear, conforme a Tabela 1.
Tabela 1. Comparação da Cadeia de Valor dos produtos/serviços entre a Economia Linear e Circular nos Modelos de Negócio
Modelos de negócio | Economia Linear | Economia Circular |
Produto como serviço | 1.Venda direta do produto;
2.A empresa compra o produto e fica responsável pelo seu uso e disposição. |
1.Maior desempenho e vida útil prolongada;
2.O serviço é propriedade da empresa fornecedora, reduzindo custos. |
Compartilhamento | 1.Restrição a pessoas próximas;
2.Custos relacionados a intermediações (transportes); 3. Aquisição de produtos físicos. |
1.Consumo colaborativo;
2.Compartilhamento à longa distância; 3.Redução do custo de intermediação do produto. |
Insumos Circulares | 1. Esgotamento de recursos naturais finitos;
2. Descarte de coprodutos e produtos durante e após o processo; 3. Uso de materiais poluentes e menor recuperação de recursos. |
1.Insumos voltam à cadeia produtora / biosfera;
2. Aumento da longevidade da cadeira de valor; 3. Redução da dependência de insumos finitos. |
Recuperação de recursos | 1.Alta demanda de capital natural;
2.Desperdício de componentes. |
1.Recuperação de valor e função dos produtos e materiais;
2.Consumidores finais têm papel chave na devolução dos produtos; 3.Transforma produto em fim de vida em outro novo; |
Vida útil prolongada | 1.Descarte após um problema;
2.Aumento de resíduos eletrônicos. |
1.Extensão da vida útil do produto;
2.Reparo, manutenção, fácil desmontagem e remontagem). |
Virtualização | 1.Custos relacionados às lojas físicas;
2. Maior necessidade de estoques.
|
1. Desmaterialização de ativos físicos e economia de espaço;
2.Economia relacionada ao deslocamento dos clientes; 3.Eliminação de estoques de produtos de baixo giro. |
Fonte: elaboração própria
Para facilitar a compreensão dos elementos que são abrangidos por esses modelos de negócio, trouxemos um breve delineamento das suas funcionalidades, com a introdução de estudos de casos, respectivamente, para cada modelo.
Nesse tipo de modelo de negócio, a proposição de valor² direciona-se em fornecer serviços em conjunto com produtos por meio de contratos ou ofertas de soluções (CNI, 2018). A empresa descentraliza a obrigação de arcar com custos de manutenção, e de monitorar de forma geral o produto, contratando este tipo de serviço à uma outra empresa. O produto, então, é fornecido por uma empresa especializada que tem o objetivo de prolongar a vida útil e o seu desempenho.
A Phillips, por exemplo, oferece serviços de “luz inteligente”, como pode-se observar na Figura 1. Com o design modular (controle e desmontagem) fica responsável por realizar os serviços de iluminação de uma empresa, gerindo todas as necessidades do serviço daquela empresa que contratou o serviço de luz. E ainda, no fim do período do serviço, os produtos podem ser renovados ou reciclados, possibilitando a redução dos custos operacionais (Phillips, 2019).
Figura 1. Representação do serviço de iluminação fornecido pela Phillips.
É um tipo de modelo de negócio que tem como foco principal estender o uso de um produto através do compartilhamento (CNI, 2018). Também chamado de consumo colaborativo, possibilita o acesso ao produto sem que haja a necessidade da aquisição física ou troca monetária deste, tendo como uma finalidade a reutilização dos produtos. A internet, por exemplo, é uma tecnologia que promoveu a economia compartilhada, possibilitando a utilização de serviços em grande escala de forma simultânea e distribuída. Dentro deste modelo, pode-se destacar iniciativas voltadas para o estilo de vida colaborativo (coworking), mercados de redistribuição (troca de livros) e sistemas de serviços de produtos (Netflix) (VILLANOVA, 2015). A SharedEarth por exemplo, é uma empresa nos Estados Unidos que tem com o objetivo de compartilhar terras para o cultivo de alimentos, conectando quem tem terras e ferramentas com quem necessita das mesmas para a realização do cultivo (SharedEarth, 2019).
São Modelos de negócio que usam matérias-primas recicladas, recondicionadas, regeneradas, remanufaturadas ou materiais não contaminados, podendo ocorrer no ciclo biológico ou técnico. O sucesso deste modelo está relacionado com o uso de insumos puros, ou seja, na utilização de materiais sem combinar com outros, o que contribui para sua reutilização. Tem como objetivo aumentar a longevidade da cadeia de valor e reduzir a dependência de recursos finitos, utilizando produtos finais como matéria-prima do processo. Como exemplo, pode-se citar a CBPak, que produz um copo à base de farinha de mandioca, que absorve 3,74g de gases do efeito estufa (enquanto o copo plástico gera 16,69g), consome 62 vezes menos água no processo de produção e pode ser compostado ao fim da vida. A empresa também retém a propriedade da embalagem, garantindo que o produto seja direcionado à compostagem (CNI, 2018).
Tem como principal objetivo recuperar valor e a função de produtos, componentes e materiais. Este tipo de modelo pode proporcionar a redução da demanda por capital natural³ (CNI, 2018). O produto no final do ciclo de vida pode alimentar outro ciclo, promovendo cadeias de retorno, através de serviços de reciclagem e upcycling⁴. Empresas que produzem grandes volumes de subprodutos podem eliminar o desperdício do material criando fluxos de retorno⁵. No setor de alimentos, este modelo permite que a rede de supermercados Kroger dos Estados Unidos converta resíduos alimentares em energia renovável, que é usada para alimentar escritórios da Kroger bem como centros de distribuição. Além disso, o biogás produzido no processo já substitui todo o gás natural antes usado pela empresa (ACCENTURESTRATEGY, 2014).
Este modelo baseia-se no aumento da utilidade da vida útil de um produto (CNI, 2018). Produtos outrora que seriam desperdiçados são mantidos, melhorados e reparados, assim a empresa pode garantir que os produtos permaneçam economicamente úteis por maior tempo possível. As atualizações do produto são feitas de forma direcionada, substituindo, por exemplo, um componente desatualizado do produto. (ACCENTURESTRATEGY, 2014). No setor de eletroeletrônicos, a eStoks começou a coletar produtos novos, porém defeituosos, de redes de varejo e produtores parceiros (Magazine Luiza, Philips, Arno, Philco, etc.) na região do Nordeste e recuperar, reciclar ou aproveitar suas peças para reuso dos componentes. Este modelo de negócios reduz custos de logística reversa, uma vez que a produção destes itens se concentra nas regiões Sul e Sudeste. A empresa utiliza um algoritmo para escolher a melhor estratégia de manter o valor do produto, retornando ao mercado em seguida, onde são vendidos a preços mais acessíveis (CNI,2018).
Com a virtualização, a infraestrutura física e os ativos puderam ser substituídos por serviços digitais (CNI, 2018). A virtualização e o compartilhamento são modelos que têm sido operacionalizados juntos. A virtualização utiliza como elemento principal da Economia Circular a desmaterialização, tornando viável, por exemplo, uma empresa diminuir os estoques economizando espaço e o deslocamento de clientes às lojas físicas (BARDERI, 2017). As plataformas e-commerce possibilitam a montagem de uma loja virtual, como por exemplo, a Shopify, que permite que o cliente crie uma loja virtual com temas responsivos, possibilitando que o site se adeque às telas dos dispositivos do usuário, seja smartphones, computadores ou tablets. A Vtex, oferece soluções através de tecnologia de armazenamento, para vendas, como por exemplo, o “orquestrador inteligente” que permite informações sobre todo o ciclo de vida de um produto, fornecendo uma sincronização bidirecional automática possibilitando transparência em tempo real nas operações de vendedor e de mercado (ECOMMERCEBRASIL, 2019).
Tendo em vista que a natureza já se encontra incapaz de tolerar o atual nível de exploração de recursos, existe uma crescente busca por ações para suprir as necessidades do mercado. Nesse caso, a economia circular é uma opção viável e sustentável, possibilitando o fortalecimento da economia não apenas a nível local, mas também global.
Algumas empresas já perceberam esse fato e estão explorando a economia circular no Brasil e no mundo, como a Phillips, que fornece serviço de “luz inteligente”; a rede de supermercado Kroger, que converte resíduos alimentares em energia renovável; a Renner, que recicla rebarbas de tecido para produção de novas peças de roupa, entre outras. Graças às oportunidades que a Economia Circular oferece, novas perspectivas são observadas, entre elas a agregação de valor ao “lixo” e o surgimento de novos negócios, sustentáveis e circulares, como os mostrados anteriormente. Vale ressaltar que o contraste entre os modelos linear e circular aqui estudados foram estabelecidos com informações dos estudos de caso.
É possível observar também que por ser um conceito muito novo (por exemplo, a Ellen MacArthur Foundation foi criada em 2010), ainda está sendo moldado e caracterizado, por isso podemos enxergar diferentes nuances no que tange aos modelos de negócio, onde diferentes autores caracterizam seus próprios pontos de vista. Entretanto, ao fazermos algumas comparações entre essas perspectivas, podemos identificar similaridades, como por exemplo: o que aqui é considerado Produto como Serviço, engloba um conceito semelhante ao que a Ellen MacArthur Foundation chama de Chemical Leasing. Da mesma forma que a essência de fazer com que um produto já usado e descartado volte à linha de produção, é característica tanto da Logística Reversa (Ellen MacArthur Foundation), quanto do Circular Inputs (CNI, 2018). Desta forma, podemos extrair que, independente do framework que for usado para definir qual é o nome do modelo de negócio, o importante é que este seja circular.
1Ideia que atende às necessidades e expectativas do mercado, viável do ponto de vista econômico e sustentável, oferecendo retorno financeiro.
2Conjunto de diferenciais no produto ou serviço ofertados e entregues ao cliente.
3Recursos naturais, como água, terra e os minerais, quando vistos como meios de produção. Podem ser renováveis ou não.
4Processo que torna um produto, em qualidade, melhor ou igual ao seu original, possibilita a redução de resíduos produzidos e também a exploração de matéria-prima para a geração de novos produtos.
5Reinserindo esses subprodutos no próprio ciclo produtivo ou em outro processo que seja viável, reduzindo seu desperdício ou necessidade de tratamento de efluentes.
ACCENTURESTRATEGY. Circular Advantage – Innovative Business Models and Technologies to Create Value in a World without Limits to Growth. California, 2014. p. 24.
ARUP, G.C., BAM, N.M. Circular business models For the built environment. 2017. p. 25. Disponível em: <https://www.arup.com/perspectives/publications/research/section/circular-business-models-for-the-built-environment>. Acesso em: 28 de Janeiro de 2019.
BARDERI, M. T. Aplicação dos princípios da Economia Circular em uma Indústria de veículos comerciais. Dissertação (Dissertação em Administração de Empresas) – Centro Universitário da FEI. São Paulo, p.138. 2017.
CNI. Confederação Nacional da Indústria. Circular Economy: opportunities and challenges for the Brazilian Industry. Brasília: CNI, 2018, p.68.
ECOMMERCEBRASIL. 8 Plataformas e e-commerce para montar sua loja virtual. Disponível em: < https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/9-plataformas-de-e-commerce-para-montar-sua-loja-virtual/>. Acesso em: 28 de Janeiro de 2019.
ENCONTRO INTERNACIONAL DE GESTÃO DESENVOLVIMENTO E INIVAÇÃO, 1., 2017, Mato Grosso do Sul. Inovação e criação de valor: O caso de uma empresa do setor de aço. Mato Grosso do Sul: 2017. pp.1-17.
GEJER, L., TENNENBAUM, C. Como a economia compartilhada contribui para a economia circular? 21MAR2018 Disponível em: <https://www.ideiacircular.com/como-a-economia-compartilhada-contribui-para-a-economia-circular/>. Acesso em: 28 de Janeiro de 2019.
PHILLIPS. Pensamento global na economia circular. Disponível em < http://www.lighting.philips.pt/sistemas/areas-de-sistema/escritorio-e-industria/escritorio/futureoffice/green-buildings/rounded-thinking-in-the-circular-economy>. Acesso em: 23 de Janeiro de 2019.
SARIATLI, F., 2017. Linear Economy versus Circular Economy: A comparative and analyzer study for Optimization of Economy for Sustainability. Visegrad Journal on Bioeconomy and Sustainable Development, v. 6, pp. 31-34.
SHAREDEARTH. Connecting landowners with gardeners and farmers. Disponível em: < https://sharedearth.com/>. Acesso em: 27 de Janeiro de 2019.
VILLANOVA, A. L. I. Modelos de negócio na economia compartilhada: Uma investigação multi-caso. Dissertação (Dissertação em Gestão Empresarial) – FGV. Rio de Janeiro, p. 126. 2015.