No último artigo do nosso blog, intitulado “O que a Biotecnologia tem a ver com a Economia Circular?”,mostramos a relação da indústria química com a economia circular por meio das inovações no campo da biotecnologia e de acordo com building blocks (Design Circular, Ciclo Reverso, Novos Modelos de Negócio e Fatores Viabilizadores e Condições Sistêmicas Favoráveis) definidos pela Fundação Ellen MacArthur. Neste artigo mostraremos como a economia circular pode se relacionar com o setor energético.
O perfil da matriz energética brasileira atual se encontra em fase de diversificação, tendo as fontes não renováveis (petróleo e gás natural, principalmente) com participação de 56,5% e de renováveis (biomassa de cana e hidráulica, principalmente) com 43,5% [1]. Na matriz elétrica, praticamente 70% da capacidade instalada no país e 74% da energia gerada são de origem hidrelétrica [2]. Entretanto, devido à conjuntura de desaceleração das atividades de refino, o setor energético apresentou uma queda de 14,8% no consumo de derivados de petróleo [1]. Nesse sentido, se faz necessário desenvolver fontes mais limpas de oferta de energia e que sejam majoritariamente benéficas ao meio ambiente.
A seguir serão apresentados alguns exemplos de estudos de caso do setor energético de acordo com o(s) building bock(s) dentre os quais podem ser classificados conforme as práticas em direção à economia circular e realizadas pelos respectivos agentes responsáveis. Vale ressaltar que um mesmo caso pode fazer parte de mais de um tipo de buildingblock.
A Statoil, referência global na exploração e produção de petróleo e gás natural, tem investido em energias renováveis por meio de planta de energia eólica no Reino Unido e projetos de captura e estocagem de carbono desde 2012 [3]. Situada no parque industrial de Kalundborg (DK), atua no ciclo reverso pela troca comercial de insumos industriais com a Dong Energy (atual Orsted)localizada no mesmo parque, em que desta compra água do mar, vapor e água deionizada, enquanto que a forneceágua de resfriamento, água técnica e gás. Além disso, o enxofre resultante do seu processo de dessulfurizaçãoé aproveitado para a produção de adubo líquido em uma indústria de fertilizante.
A BrocklesbyLtd., situada no Reino Unido, é especializada na coleta e conversão de resíduos gordurosos animais e vegetais em produtos de valor agregado como, por exemplo, biocombustíveis a partir de óleo de cozinha usado e resíduos gordurosos de alimentos com alto teor de gordurapor meio da joint-venture Greenerg. Além disso, a glicerina e outrosresíduos da produção são também aproveitados para conversão em outros produtos [4], atuando, nesse contexto, no ciclo reverso.
A planta de processamento de resíduos de alimentosfunciona com 300 toneladas por semana e como fonte de P&D para novas tecnologias. Com isso, desde porções pequenas de 10 gramas individuais até a carga de tanque de 25 toneladas de óleo, a companhia consegue obter margem e gerar valor a partir destes resíduos [5].
A Orsted, já citada anteriormente na simbiose industrial com a Statoil,também realiza troca comercial de insumos com a Gyproc, ao fornecer gás de combustão como insumo para a produção de gesso. Além desta, a companhia também realiza trocas de cinza volante resultante dos seus processos para uma empresa de cimento para recuperar níquel e vanádio e vapor para a NovoNordisk [6]. Todas localizadas no mesmo parque industrial.
A companhia dinamarquesa, que possui suas atividades voltadas para a exploração, produção e distribuição de energia eólica, bioenergia e termoelétrica, adotou desde 2007 o modelo de negócio waste-to-energy com a produção de energia a partir de resíduos de silvicultura e de agricultura (pellets de madeira, por exemplo) desde 2007, reduzindo o uso de carvão em 73%, comprometendo-se a substituí-lo em todas as suas centrais elétricas por biomassa sustentável e as emissões de carbono em 93% até 2023. Passará também a reutilizar resíduos de Novo Nordisk e Novozymes em uma nova planta de biogás, que está programada para iniciar por volta de abril de 2018. Segundo a companhia, esta usina terá uma capacidade de produção de 8 milhões de m3 de gás natural por ano, abastecendo 5.000 famílias aproximadamente [7].
Neste mesmo modelo e também localizada no parque de Kalundborg (DK), se encontra aArgo (anteriormente Kara/Noveren), cujo core business é o processamento de resíduos tanto para a população quanto para empresas e governos. É responsável pelo tratamento de resíduos do parque industrial e geração de energia a partir destes que não são reciclados [6].
No Brasil, a empresa mineira Gasgrid também atua neste modelo de negócio com a geração de biometano a partir de resíduos sólidos urbanos, em que denomina de Gás Natural Renovável (GNR), além de produzir energia elétrica [8].
A parceria da empresa brasileira Cicla Brasil com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e NordicDevelopment Fund.(NDF) para a produção de biodiesel a partir de óleo de cozinha usado enquadra este caso em Fatores viabilizadores e condições sistêmicas favoráveis. Segundo a companhia, o projeto nomeado Economia Circular e Adaptações às Mudanças Climáticas com a Reciclagem de Óleo de cozinha será desenvolvido em São Paulo teve o custo total estimado em torno de US$ 2.000,00.A empresa brasileira de consultoria para o meio ambiente atua na organização de catadores por meio da logística reversa, bem como no assessoramento de investimentos sociais de alto impacto socioambiental [9].
A planta de produção de Biogás Linköping, na Suécia eoperada pela SvenskBiogas, é resultado da cooperação entre a prefeitura, o abatedouro local SwedishMeats AB e a associação de agricultores LantbruketsEkonomi AB [8](IEA BIOENERGY, 2005). Seguindo o modelo waste-to-energy, a planta instalada desde 1997 utiliza resíduos agrícolas, de alimentos, de matadouro (sangue e água de processo, por exemplo), juntamente com estrume de fazendas locais como matéria-prima. Operando com capacidade de tratamento de 100.000 t/ano de resíduo, produz biogás (97% metano) em 4,7 milhões Nm3/ano, correspondendo a quase 5,5 milhões de litros de diesel. Além disso, o subproduto é utilizado como biofertilizante pelos agricultores, tendo produção anual de 52.000 toneladas [10].
No Brasil, a Methanum também acordou um projeto entre a companhia, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG) e a Prefeitura do Rio de Janeiro para a instalação da primeira tecnologia de biometanização a partir de RSU na América Latina denominada tMethar®, em que serão instalados Túneis de Metanização de Resíduos Orgânicos no Rio de Janeiro (Usina do Caju) [11]. Projetada para operar com capacidade em torno de 50 t/dia, produção de 4.500 Nm3/dia de biogás, 150 kW de energia e 1.500 Nm3/dia de biometano, aproximadamente, a planta será modular e escalonável.Entretanto, a sua instalação prevista para o início de março de 2017 ainda não ocorreu [11].
A Methanum é uma empresa brasileira, localizada em Minas Gerais, que desenvolve tecnologias voltadas para a geração de biogás a partir de resíduos sólidos urbanos e efluentes industriais.Além desse projeto, a Plataforma de Metanização Resíduos Orgânicos (pMETHAR®) se encontra em fase demonstração na UFMG com capacidade de até 10 t/dia [11].
Assim, pode-se perceber que as empresas apresentadas nestes estudos de caso convergem suas ações no ciclo reverso e com novos modelos de negócio, isto é, com o reuso de utilidades e resíduos de produção para a conversão em energia e biocombustíveis, principalmente o biogás(waste-to-energy). No Brasil, a Associação Brasileira de Biogás e Biometano (ABiogás) considera que o potencial nacional chega a 20 bilhões de m3/ano nos setores sucroalcooleiro e na produção de alimentos e 3 bilhões m3/ano no setor de saneamento básico, resíduos sólidos e esgotos doméstico [12].
Na Suécia, astributações sobre as emissões e os resíduos orgânicos e aterrados iniciadas em 1991 permitiram o desenvolvimento da indústria do biogás no país, levando ao seu uso, por exemplo,na maioria das frotas de ônibus, refrigeração para indústrias, hospitais e comércio, além de gerar 9% de eletricidade para o país. Atualmente, o projeto “Vera Park”, com vistasao desenvolvimento da economia circular no país,viabilizou o tratamento de lixo de outros países e sua utilização como fonte de bioenergia ou matéria-prima para reciclagempara a Suécia [13].
Dessa forma, no contexto da economia circular, o setor de energia pode ser influenciado pelos biocombustíveis citados e derivados da biomassa como fontes alternativas de combustível e energia em larga escala. No caso do Brasil, particularmente, cuja matriz energética ainda é bastante dependente de fontes fósseis e vai de encontro ao crescimento competitivo do país no que tange ao desenvolvimento sustentável.
Referências bibliográficas
[1] EPE. Balanço Energético Nacional 2017. Relatório Síntese. Disponível em: < http://epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/Balanco-Energetico-Nacional-2017>. Acesso em: Abr. 2018.
[2] ABRADEE. Visão geral do setor. Disponível em: <http://www.abradee.com.br/setor-eletrico/visao-geral-do-setor>. Acesso em: Abr. 2018.
[3] STATOIL. Disponível em: <www.statoil.com/>. Acesso em: Jul. 2017.
[4] BROCKLESBY. Disponível em: <www.brocklesby.org/>. Acessoem: Jul. 2017.
[5] ELLEN MACARTHUR FOUNDATION. Unlocking value from used cooking oils.Disponível em: <https://www.ellenmacarthurfoundation.org/case-studies/unlocking-value-from-used-cooking-oils>. Acesso em: Jul. 2017.
[6] ELLEN MACARTHUR FOUNDATION. Case Studies. Disponível em: <www.ellenmacarthurfoundation.org/case-studies>. Acessado em: Mai. 2017.
[7] ORSTED. Disponível em: < www.orsted.com/en>. Acesso em: Jul. 2017.
[8]GASGRID. Gás Natural e Renovável em SP. Disponível em: <https://www.gasgrid.com.br/gnr-sp>. Acesso em: Abril 2018.
[9] CICLA BRASIL. Disponível em: <www.ciclabrasil.com.br>. Acesso em: Jul. 2017.
[10] IEA BIOENERGY. 100% Biogas For Urban Transport in Linköping, Sweden: Biogas in Buses, Cars and Trains Biogas in The Society. Disponível em: <http://www.iea-biogas.net/files/daten-redaktion/download/linkoping_final.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2018.
[11] COLTURATO, L. F. Biometanização: O tratamento da fração orgânica e seu potencial para a valorização integral dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU). Seminário Economia Circular e Sustentabilidade na Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos. Anais…Rio de Janeiro: 2016. Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/6458684/4173221/Biometanizacao_LuisFelipeColturato.pdf>. Acesso em: Jan. 2018.
[12] CIBIOGAS. O biogás. Disponível em: <https://cibiogas.org/biogas>. Acesso: Jan. 2018.
[13] CARDOSO, M. Lixo contra fóssil. Valor Econômico. 2017. Disponível em: <http://gesel.ie.ufrj.br/app/webroot/files/IFES/BV/cardoso6.pdf>. Acesso em: Abr. 2018.