Como já visto nos artigos anteriores, a Economia Circular por definição abrange diversas áreas do conhecimento e, dentre elas, está a biotecnologia. Por ser um setor transversal, se encontra fortemente relacionada com a indústria química e, com isso, os produtos e processos biotecnológicos gerados desta integração podem envolver setores a montante e a jusante do setor químico.
Como uma forma de classificar os estudos de caso relacionados com a economia circular, a Fundação Ellen MacArthur criou4 tipos de BuildingBlocks: Design Circular, Novos Modelos de Negócios, Ciclo Reverso e Fatores Viabilizadores e Condições Sistêmicas Favoráveis (FVCSF).
A seguir serão apresentados alguns exemplos, ressaltando-se que um mesmo caso pode fazer parte de mais de um tipo de BuildingBlock.
Design circular e Ciclo Reverso:
A empresa Ecovative Design, situada nos Estados Unidos possui expertise no desenvolvimento de biomateriais a partir de micélio de cogumelos, utilizando resíduos agrícolas e micélios de cogumelos, que também apresenta propriedade adesiva podendo substituir formaldeído ou outros intermediários derivados do petróleo, como mostra a Figura 1.
Figura 1. Mushroom® Packaging para embalar vinho.
Desse modo, a utilização de resíduos agrícolas e de fontes biológicas como insumos para a fabricação de embalagens, painéis para móveis e construção, tecidos e outros bens de consumo para uso comercial e pessoal, por exemplo, vão ao encontro dos princípios da economia circular. Em larga escala, os setores agrícola e madeireiro podem se beneficiar no caso da fabricação de madeira sustentável e, a entrada dos biomateriais voltados para embalagens, remete ao Ciclo Reverso e Design, podendo impactar os setores, petroquímico e de transformados plásticos devido à competição com as resinas comumente utilizadas para tal aplicação, principalmente entre aquelas que têm proteção acústica e maior resistência ao fogo.
Ciclo Reverso:
A AnoxKaldnes AB é uma empresa situada na Suécia e que possui seu portfóliovoltado para a produção de bioprodutos como o biogás, biopolímeros e tratamento biológico de água residual baseado na tecnologia MBBR (MovingBedBiofilmReactor) ou Reator de Leito Móvel com Biofilme.Nesta tecnologia, os micro organismos crescem nas superfícies de um suporte plástico e são mantidos em suspensão no reator de tratamento, cujo desenvolvimento permitiu a operação de uma planta piloto de tratamento de água residual de estações de tratamento na Bélgica, Holanda e Dinamarca para a produção biotecnológica de polihidroxialcanoatos (PHA) por via bacteriana.
Dessa forma, a substituição de poliésteres obtidos por via sintética por este biopolímero se enquadra este caso no Ciclo Reverso da economia circular e, em larga escala, pode acabar impactando o setor de petroquímico e o de transformados de plásticos.
Novos Modelos de Negócio e Ciclo Reverso:
A British Sugar Plcéuma companhia britânica voltada para a produção de açúcar a partir de beterraba açucareira (ou beterraba branca), bioetanol, calcário e outros coprodutos de valor agregado. Por meio da integração de seus processosoferece calor a baixa temperatura, água e CO2 da planta de cogeração de energia para a horticultura da família da planta Cannabis, possibilitando o desenvolvimento de um novo medicamento, chamado Epidiolex® (cannabidiol), em parceria com a GW Pharmaceuticalspara o tratamento de formas raras e graves de epilepsia em crianças.
Este Novo Modelo de Negócionomeado pela companhia como “EcosystemRevitalizationAgriculture” (ERA), que também se classifica como Ciclo Reverso, além de possibilitar a recuperação do capital naturalpor meio desta integração, poderá contribuirpara o controle desta patogenia, incluindo a síndrome de Dravet, a síndrome de Lennox-Gastaut (LGS), o Complexo de Esclerose Tuberosa (TSC) e os Espasmos Infantis (IS).
Ciclo Reverso e Fatores Viabilizadores e Condições Sistêmicas Favoráveis:
Por fim, este último caso se encontra em fase de pesquisa pela Universidade de Tsingua na China e, por se tratar de um projeto acadêmico remete ao buildingblockFatores Viabilizadores e Condições Sistêmicas Favoráveis. A pesquisa trata da avaliação de uma solução de 0,2% de nanotubos de carbono ou grafeno (uma das formas cristalinas do carbono) para a biossíntese de uma “super seda”.
Além de ser aplicado como suporte às folhas de amoreira,o grafeno também atua como alimento para os “bichos-de-seda”. Ainda não pode ser explicado como ocorre a metabolização do grafeno pelo “bicho-da-seda”, entretanto, esta nova seda já se mostrouvantajosa em relação à comumente produzida. Apresentou o dobro de elasticidade e resistência e mostrou potencial ao conduzir eletricidade após aquecimento a uma temperatura de até 1.050°C. Por possibilitar um longo ciclo de vida útil conferido pela alta resistência e melhor desempenho para conduzir eletricidade, além de reutilizar um material sintético, no caso o grafeno, este caso se enquadra no Ciclo Reverso. Como a seda já é comumente fabricada a partir do “bicho-de-seda”, o setor têxtil pode ser considerado impactado pela entrada deste novo material na cadeia produtiva.
Esses exemplos apresentados retratam as oportunidades tecnológicas que a aplicação dos princípios circulares pode trazer para o avanço da biotecnologia e, mais especificamente, o desenvolvimento de novos biomateriais. Além disso, o Ciclo Reverso tem se destacado nos estudos de caso, apontando para uma tendência inicial das ações na área da biotecnologia voltadas para o fechamento do ciclo, já tendo em vista, entretanto,o Design Circular por meio de mudanças nas estruturas químicas ou substituição de componentes, por exemplo, que tornem a cadeia de valor circular.
Assim, não somente a biotecnologia,bem como os setores petroquímico, farmacêutico, têxtil e de transformados plásticos podem ser beneficiados com a economia circular, mantendo o fluxo de recursos ao longo da cadeia produtiva, criando valor e regenerando a biosfera.
REFERÊNCIAS
[1] VEOLIA. Disponível em: <www.technomaps.veoliawatertechnologies.com/mbbr/en/>. Acessado em: Set. 2017.
[2] EGERTON, S. Disponível em: <www.circulatenews.org/2015/09/a-new-way-to-make-plastic/>. Acessado em: Set. 2017.
[3] ECOVATIVE DESIGN. Disponível em: <www.ecovativedesign.com>. Acessadoem: Jun. 2017.
[4] ELLEN MACARTHUR FOUNDATION. Disponível em: <www.ellenmacarthurfoundation.org/case-studies>. Acessado em: Jun. 2017.
[5] BRISTISH SUGAR. Disponível em: <www.britishsugar.co.uk/>. Acessado em: Jun. 2017.
[6] GW PHARMACEUTICALS. Disponível em: <www.gwpharm.com/>. Acessado em: Fev. 2018.
[7] WANG, Q. et al. Feeding Single-Walled Carbon Nanotubes or Graphene to Silkworms for Reinforced Silk Fibers. Nano Letters, v. 16, n. 10, p. 6695–6700, 12 out. 2016.